As estações do ano sucedem-se, cada uma narrando diferentes etapas da vida de um monge, desde a sua infância, e descoberta das consequências dos seus actos, até ao amadurecimento da sua personalidade e redenção espiritual.
Este é o primeiro filme de Ki-duk Kim a que assisti, e as expectativas foram inteiramente justificadas. O argumento, também da sua autoria, aborda temas como a reencarnação, a espiritualidade, o pecado, o castigo, o auto-sacrifício e a constante mutação da Natureza, com uma sensibilidade peculiar e uma atenção aos detalhes semelhante à que já por várias vezes aqui louvei, e que só enriquece a fita.
Como o próprio título indica, estamos perante um ciclo - um ciclo de vivências, de rituais, de experiências; tudo isto tendo como pano de fundo um templo flutuante, do qual nunca nos afastamos demasiado. As personagens principais (um monge e o seu jovem aprendiz) levam uma vida de isolamento, disciplina e de harmonia com a natureza, até ao dia em que uma mãe traz ali a filha para que ela recupere a paz interior. Então, o aprendiz é confrontado com a sua própria natureza, e embarca numa jornada a que o ancião assiste, primeiro aceitando como sendo parte do percurso que considera natural, depois contemplando com dor resignada e, por fim, observando a obstinação do discípulo e a desobediência dele face aos seus ensinamentos, arrependimento e sensação de fracasso irreversível.
A mulher, o amor, são então o catalisador de uma série de acontecimentos que, perturbando a idílica vida de recolhimento de ambos, apenas os aproximam do caminho que têm de percorrer para alcançarem a Luz, ou, melhor dito, para abandonarem a sua individualidade em prol do todo a que aspiram unir-se. Este não é, contudo, um percurso fácil - nem propriamente rápido -, e só pode ser concluído com respeito pelo outro, que acabamos por ser também nós, como o jovem monge descobre na primeira "Primavera", através da lição sobre a vida. Refiro-me, claro, à Natureza, e à perspectiva budista que fundamenta o filme, que encara a Natureza como um todo do qual fazem igualmente parte o Homem e animais.
Não é em vão que me estou a alongar sobre a temática e a história do filme. "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" (não me atrevo a referir-me a ele através do nome original, como costumo fazer) é, acima de tudo, uma lição de vida a que todos devíamos assistir, principalmente por apresentar uma visão do Universo distinta daquela mais comummente partilhada entre nós, ocidentais. É um filme a saborear, mas, mais importante, a meditar.
Porém, isso não significa que, tecnicamente, estejamos perante um mau filme - longe disso. A fotografia é algo sublime, e a realização acompanha o ritmo da acção de forma adequada. Os actores encarnam as personagens com sentimento, e exprimem os seus estados de espírito com mestria, não obstante a parca quantidade de diálogos. Tudo isto se conjuga para criar uma excelente obra de Arte.
Rúben Gonçalves
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