Justapor uma pessoa com uma envolvente que seja ilimitada, reuni-la com um número incontável de pessoas a passar ao pé dela e ao longe, relacionar uma pessoa com o mundo todo, esse é o significado do cinema.
Andrei Tarkovsky
Em vésperas daquele que podemos seguramente reconhecer como o maior evento cinematográfico do ano em Portugal, tomei a liberdade de reunir uma série de artigos sobre o maior dos cineastas soviéticos: Andrei Tarkovsky. O realizador merecerá um ciclo em Belém (Lisboa) com a exibição da sua obra integral (os sete filmes apresentados por ordem cronológica: "A Infância de Ivan" (1962), "Andrei Rubliov" (1969), "Solaris" (1972), "O Espelho" (1975), "Stalker" (1979), "Nostalgia" (1983) e "O Sacrifício" (1986)) e de um documentário de Chris Marker (“Une journée d’Andrei Arsenevich” (1999)); um concerto pelo pianista François Couturier e pelo Tarkovsky Quartet; a exposição de fotografia com mais de 300 polaroides “Luz Instantânea - Fotografias, Itinerários e Saudades de Andrei Tarkovsky", comissariada por Manuel Mouriño e Alberto Ruiz de Samaniego, e, por fim, uma série de conferências, uma delas por Andrei Tarkovsky-filho. O Centro Cultural de Belém (CCB), que se encontra a organizar “Andrei Tarkovsky – Esculpir o Tempo” de 7 de Novembro a 7 de Dezembro, criou um jornal que acompanha o ciclo e que inclui textos como o de Augusto M. Seabra, e que disponibilizo, na íntegra, a seguir a este parágrafo. Aproveito para relembrar alguns artigos já publicados n’O Sétimo Continente, como “As raízes do colectivo social no indivíduo, segundo Dovzhenko e Tarkovsky”, “Tarkovsky ou o ícone do cinematógrafo” e a biografia “Um passeio tarkovskyano”.
Tarkovsky no seu próprio mundo
Centro Cultural de Belém
Centro Cultural de Belém
Numa entrevista concedida a Ian Christie, durante uma visita a Inglaterra, em 1981, Andrei Tarkovsky disse: “O meu objetivo é criar o meu próprio mundo e estas imagens que criamos não significam nada, para lá das imagens que são.” Desde a sua morte, em 1986, aos cinquenta e quatro anos de idade, que a obra cinematográfica de Tarkovsky tem vindo a ser reapreciada nesta perspetiva: o seu mundo, o que ele criou em sete filmes incomparáveis, é inconfundível e a sua linguagem (as suas imagens) constituem um constante desafio não tanto à imaginação dos espectadores mas à sua capacidade de verem o que lá está – e o que está para lá do espelho. O cinema de Tarkovsky seria apenas perturbante, se não se desse o caso de o seu mundo, aquele que ele quis construir, tocar cordas profundas da sensibilidade humana. A relação do espectador com o filme não é, assim, uma interrogação dirigida à superfície do que é mostrado, às puras formas, mas a um sentido mais íntimo que nos situa fora do nosso universo de referências habituais. Está lá tudo o que nos permitiria, teoricamente, ler uma teia de imagens, sentimentos e ideias que nos é conhecida; mas tudo o que lá está é (e não é) parte de um processo de aprendizagem que nos coloca um desafio maior: o que nos falta para sermos figuras deste universo de sombras e espetros? A sua obra fotográfica, mais de 300 polaroides tiradas a partir do final dos anos setenta, faz parte dessa construção de um mundo pessoal e intransmissível. A escolha de umas largas dezenas de provas desse espólio fotográfico permite-nos, pela primeira vez em Portugal, abordar uma outra dimensão do seu trabalho de reelaboração do real, que acabará por se reconhecer como instrumento útil de alargamento da nossa visão do que foi o mundo que ele criou. Ao propor um ciclo sobre o cinema e a obra fotográfica de Andrei Tarkovsky, o CCB pretende evocar, vinte e cinco anos depois da sua morte, um dos mais perturbantes criadores do século XX. À medida que o tempo passa, a obra de Tarkovsky ganha cada vez maior densidade e espessura: é como se as suas imagens se fossem transformando lentamente, quase ser darmos por isso, em esculturas arrancadas a uma matéria sem corpo nem idade – o tempo, precisamente. É do escultor do tempo que foi Tarkovsky que falamos neste ciclo.
Andrei Tarkovsky, a busca da transcendência
Augusto M. Seabra
Quando descobri os primeiros filmes de Andrei Tarkovsky foi para mim um milagre. Encontrei-me, de súbito, perante a porta de um quarto de que a chave me faltara até então. Um quarto onde eu sempre tinha querido penetrar e onde ele se sentia completamente à vontade. Senti-me encorajado e estimulado: alguém tinha expresso o que eu sempre tinha querido dizer sem saber como. Se Tarkovsky é para mim o maior, é porque ele traz ao cinematógrafo – na sua especificidade – uma nova linguagem que lhe permite de agarrar a vida como aparência, a vida como sonho.
Ingmar Bergman
Filho do poeta Arseny Tarkovsky, influência marcante na sua obra, Andrei Tarkovsky (04-04-1932/29-12-1986) realizou sete longas-metragens em 25 anos: A Infância de Ivan, Andrei Rubliov, Solaris, O Espelho, Stalker, Nosthalgia e O Sacrifício. Na união soviética viu-se a braços com dificuldades várias, tendo a divulgação dos seus filmes sido feita após anos de retenção – caso de Andrei Roubliov – ou num circuito muito restrito, e sujeito a “críticas oficiais” – caso de O Espelho. Quando optou por se radicar no Ocidente, em 1984, Tarkovsky sempre afirmou que as razões do seu afastamento não eram políticas (recusando o epíteto de “dissidente”) mas sim artísticas.
Poucos terão sido ou são os cineastas contemporâneos a terem assim reivindicado uma condição de “artista” que se diria, senão desacreditada, pelo menos desvalorizada. Nesta perspetiva, o seu confronto com o sistema soviético era inevitável. Tarkovsky não podia ser nunca um “transmissor de mensagens” politicamente determinadas – o seu cinema era espaço de uma profunda interrogação sobre o ser e o tempo: “O cinema deve ser um meio de explorar os mais complexos problemas do nosso tempo, tão vital como aqueles que durante séculos foram os temas da literatura, da música e da pintura. É apenas uma questão de procurar, buscando de cada vez o trilho, o canal, para ser seguido pelo cinema.”
Para além das fronteiras políticas dos sistemas, há que reconhecer que também a receção no Ocidente do cinema de Tarkovsky não foi uma “questão fácil”. O seu sistema de valores – sempre afirmado e reafirmado –, os longos discursos em que o explicitava, a invocação latente ou explícita de uma ordem ou de entidade transcendental, tudo isso eram características herdadas da cultura russa (e quantas vezes não se invocou – e ele invocou – o nome de Dostoievski) que não poderiam deixar de ser profundamente estranhas às nossas sensibilidades ocidentais.
Mas o “milagre” do seu cinema foi o de a cada momento se transfigurar. Tarkovsky foi um cineasta que aliou a maior das abstrações a uma prodigiosa reinvenção da matéria. A este respeito é particularmente significativa e axial à sua arte cinematográfica a conceção de “escultura no tempo”.
“Quais são as forças determinantes do cinema, e o que delas emerge? Qual o potencial, os meios, as imagens não apenas formalmente, mas também espiritualmente? E com que material trabalha o diretor? […] Pela primeira vez na história das artes, na história da cultura, o homem encontrou os meios de dar uma impressão de tempo. E simultaneamente a possibilidade de reproduzir esse tempo no ecrã quantas vezes quiser, repetindo-o e a ele voltando. Assim o homem adquiriu uma matriz para o tempo real. […] O tempo, impresso em formas factuais e manifestações, é essa a suprema ideia do cinema como arte, levando-nos a pensar sobre a riqueza das múltiplas possibilidades do filme, sobre o seu futuro colossal. Foi sobre esta ideia que construí as minhas hipóteses de trabalho, tanto teóricas como práticas. Qual é a essência do trabalho do realizador? Podemos defini-lo como esculpindo no tempo. Tal como o escultor toma um amontoado de mármore e modela-lhe conscientemente as formas da peça acabada e remove tudo o que não faz parte disso, também o cineasta, de um ‘amontoado de tempo’ feito de um enorme e sólido complexo de factos vivos, corta e retira tudo de que não necessita, deixando apenas o que é um elemento do filme acabado, que se tornará em parte integral da imagem cinemática.”
Recusando os métodos dominantes de montagem, Tarkovsky privilegiou as transformações internas ao plano, nos seus extraordinários planos-sequências (desenrolando-se longamente no tempo, pois), como se num tempo concordante com o tempo real da perceção do espectador se operasse nos seres, nos objetos e na matéria em geral, as metamorfoses que indiciavam um “outro sentido”.
Para além de todas as referências específicas da cultura russa, no seu cinema conjugaram-se duas fortes referências – a transparência idealizada da pintura renascentista italiana (Leonardo Da Vinci, sobretudo) e a condensação temporal e a subtileza de sentido de um haiku japonês.
Mas para além dessas referências, importa salientar outro aspeto, crucial: visando ainda valores transcendentais, o cinema de Tarkovsky é espantosamente sensorial (sensível e para ser sentido) com as suas matérias elementares e atmosferas: a terra, a água, a lama, o nevoeiro. O Espelho, o mais “pessoal” dos seus filmes, num sentido autobiográfico, e Stalker, são a este respeito exponenciais.
Mas foi provavelmente no derradeiro O Sacrifício, feito na Suécia, que o cinema de Tarkovsky teve o seu momento mais paradigmático. Aí está presente, sem dúvida, a interrogação mais radical da sua obra: no final, quando o pai emudece, em cumprimento de uma promessa por o dia ter amanhecido sem que se tivesse declarado a guerra mundial durante a noite anunciada, a criança, até então muda, pergunta: “Ao princípio era o verbo… porquê, pai?” Nunca antes o cinema de Tarkovsky havia sido tão liminarmente espaço de um humano ato, que solicita a demanda de um outro espaço, o da transcendência.
Para um artista do tempo, e tão radicalmente explorador do tempo, esculpindo-o, um outro tipo de imagem, fotográfico, pode afigurar-se contraditório, justamente na medida em que enclausura o tempo, fixa-o. Elas são-nos também ora presentes. Algumas são fotos de família, com a sua mulher, Larissa Kizilova, e o seu filho, Andrei, às vezes com ele próprio, Tarkovsky, incluindo um autorretrato fotografando-se. mas a luz, as névoas, as ruínas, a “datcha”, remetem-nos inevitavelmente para O Espelho e Stalker – e o cão, o cão de Stalker! – nalguns aspetos prefigurando ainda O sacrifício.
Se falta o tempo, dimensão fulcral do cinema de Andrei Tarkovsky, ainda assim em muitas destas fotografias, quais complementos aos fotogramas cinematográficos, reencontramos a matéria sensível que é outra das dimensões distintivas da sua arte – e na matéria, a busca da transcendência.
Alberto Ruiz de Samaniego e José Manuel Mouriño | Tradução de Ana Sampaio
No dia 14 de agosto de 1979, quando se encontrava em Itália a rodar o documentário para a RAI intitulado Tempo di Viaggio, Tarkovsky escreveu no seu diário: “Telefonámos a Tovoli para lhe pedir que me compre uma Polaroid. Quero fazer uns instantâneos. [...] gostava de tirar umas fotografias da minha janela em diferentes momentos do dia. A paisagem matutina, logo ao amanhecer...” [1] Esta sugestão poderia perfeitamente ser confundida com o conhecido exercício de recolha de impressões monetiano, mas, na prática, aquilo que Tarkovsky realmente fez com a câmara que pediu a Luciano Tovoli [2] foi perseguir a luz de outra forma. A série de fotografias que começa com enquadramentos feitos a partir da janela transforma-se num percurso em que, numa espécie de travelling, se regista a chegada da luz vinda da paisagem ao interior do quarto. Acompanha-se a luz, no seu lento movimento, ao longo dos caixilhos e do peitoril da janela [3], depois pelos ladrilhos do quarto e pelas folhas e objectos abandonados ao acaso; pelo mobiliário, subindo por uma imagem da Madonna de Vladimir antes de pousar sobre a mesa ou no sítio onde Tarkovsky abandonou por um momento o pequeno-almoço para obter mais um instantâneo: a luz percorrendo a jarra de flores, o pão, a água turva, a fruta no prato. É um travelling mitigado, como aqueles que encontramos nos seus filmes, que depois continua pelas garrafas e as ténues cortinas da casa abandonada, pelo gato que dorme enroscado numa almofada, por Tonino Guerra, que escreve ou medita na igreja de Bagno Vignoni...
O travelling leva-nos, por fim, a um autorretrato do próprio Tarkovsky banhado por essa mesma luz, perseguida, sentado junto à cama. Está de pijama e quase parece um menino (à espera). Está ao fundo, frente ao espelho. recuperado de entre as sombras que o rodeiam, segura a câmara enquanto (nos) olha a partir desse mesmo fundo, tirando a última fotografia deste lento movimento de câmara. um menino que (se) descobre, então, concebendo um lugar para a ausência, pondo em jogo, através da insistência nos vazios e nas penumbras, a experiência privada de uma dialética fundamental, a da elaboração e reflexão constantemente contornada e modulada da conivência entre o ver e o perder – jogo que remete, seguramente, para o espaço natal da mãe e da casa ausentes. Nessa margem, permanecem também os dois principais blocos que constituem a exposição: os instantâneos italianos que documentam um exercício cinematográfico (exercício que, na realidade, é algo mais, um sinal, um sintoma, uma premonição...) e os “contactos” arrebatadores da paisagem russa, algo que paulatinamente se evola da bruma matinal em miasnoe, como se se soubesse já nesse momento espetro e não apenas fotografia.
Toda a série de Luz instantânea revela continuamente a nostalgia dessa morada perdida: a terra abriu-se e, nesse momento crítico que é, simultaneamente, um abrasamento momentâneo de luz, o indizível revela-se poeticamente como aquilo que quebra o próprio discurso, impondo o silêncio tenso da aura. Benjamin tinha razão: só remata a obra aquele que em primeiro lugar a quebra, dela fazendo uma obra despedaçada, fragmento do verdadeiro mundo, resquício de um símbolo [4]. As polaroides são então fragmentos, resíduos, pálidas moradas de paraísos revelados instantaneamente: o próprio facto de ser fotografia duplica o sentido de vestígio. se a aura é a aparição de uma lonjura, por mais próxima que esta seja, este carácter súbito da polaroide leva a que nela se imponha duplamente a aura, se possível, na medida em que o próprio processo de geração da imagem permanece quase como um segredo milagroso, algo inatingível, semelhante ao fascínio pelas imagens que o passado faz irradiar em aura. Imagens que parecem, como testemunha o forte exemplo de verónica, objetos concebidos para que se acredite não terem sido realizados por mãos humanas.
1 - Andrei Tarkovski, Diari. Martirologio 1970-1986, Edizioni della meridiana, Florença, 2002, p. 272.
2 - Director de fotografía de Tempo di Viaggio.
3 - Não há nenhuma fotografia, entre aquelas que tirou a partir da janela do quarto do hotel, onde o enquadramento da paisagem marque o próprio corte fotográfico. Nestas fotografias, a paisagem está sempre emoldurada pela janela e o interior do quarto. Por outro lado, deve notar-se que as fotografias de paisagens (exteriores) feitas em Itália são, na sua maioria, imagens muito menos líricas do que as realizadas em espaços interiores. Isso deve-se, em parte, ao facto de Tarkovski utilizar também as imagens Polaroid de uma forma prática, como um registo ilustrativo de lugares que poderiam vir a interessá-lo posteriormente (no processo de procura de locais para o futuro filme).
4 - Cf. “Prefácio epistemocrítico” de A origem do drama barroco alemão, de Walter Benjamin (1924)
O Mundo Interior
Charles H. De Brantes
Gostava-se de música em casa dos Tarkovsky. Cantava-se, tocavam-se instrumentos, viam-se muitos artistas lá em casa em Moscovo nos anos sessenta e setenta, até ao exílio de Andrei Tarkovsky em 1982, para oeste da “cortina de ferro”. Por coincidência, tornei-me guardião, durante algum tempo, em Paris, da sua discoteca pessoal, cujas velhas capas de cartão soviético cheiravam bem. Todos os fundamentais da grande música europeia estavam lá, os Schütz, Bach, Pergolesi, Mozart, Schostakovich… mas Andrei também se interessava por música oriental, pelos Beatles, pelos sons da natureza, pelo seu silêncio… e pela criação contemporânea com o compositor de música eletrónica Edouard Artemiev, que contribuiu para três dos seus filmes: Solaris, Le Miroir e Stalker. Recebi com verdadeira alegria o terceiro disco de François Couturier, depois de Nostalghia e Un jour si blanc, que ele nos diz ambos inspirados pela emoção artística que sentiu ao ver o seu “primeiro Tarkovsky”: Andreï Roublev.
Há, claro, os títulos de cada uma das doze composições incluídas neste Tarkovsky Quartet que prenunciam o mesmo número de homenagens… Aos anjos, que preenchem, visíveis ou invisíveis, tanto a obra do pai-poeta Arseni, como a do filho-cineasta Andrei. A Tiapa, nome afetuoso que Tarkovsky dava ao seu filho mais novo, que as autoridades soviéticas proibiam de ir ter com o pai ao Ocidente. A San Galgano, essa abadia toscana em ruínas de Nostalghia, assim como era a barragem hidroeléctrica de Stalker. A Maroussia, doce alcunha dada à sua mãe, que ele fez entrar no seu Miroir na altura em que a voz do seu pai lia o seu próprio poema. A Mychkine, o herói de Dostoievsky que ele muitas vezes evocou como ideia para um filme. A Mouchette, o filme de Bresson de que Tarkovsky mais gostava. La passion selon Andreï, título original da longa-metragem da obra-prima histórica Andreï Roublev. O Apocalipse, último livro da Bíblia que impregna os últimos três filmes de Tarkovsky, com o inolvidável excerto lido por uma voz de mulher que sai a rir, sobre um fundo aquático cheio de imagens perdidas. Doktor Faustus, o romance de Thomas Mann que ele gostaria de ter adaptado ao ecrã. Sardor, o tajik-western cujo guião Tarkovsky escreveu, mas que nunca pode realizar. La main et l’oiseau, essa breve cena de Miroir que Tarkovsky designou mais tarde como o seu autorretrato. Enfim, De lautre côté du miroir, piscar de olho a todos os imaginários…
Mas encontrei sobretudo o mundo interior onde François Couturier e o Tarkovsky Quartet com Anja Lechner, Jean-Louis Matinier e Jean-Marc Larché excelam em nos fazer penetrar. Doze baladas poéticas onde o piano, o violoncelo, o acordeão, o saxofone se erguem, se respondem, se abraçam, se apagam, voltam… Onde o batimento, como o de um coração, e os sons mais impercetíveis traçam um mundo onde plana a alma, o seu apelo, o seu sonho. Grandes asas se abrem, se estendem, se fecham. A imagem de dançarinos vem-nos à memória. Todo um espaço interior protegido por longos silêncios alargados, onde, milagre!, a improvisação permanece rainha. É sem dúvida isto que mais nos aproxima dessa “liberdade absoluta do potencial espiritual do homem” que Andrei Tarkovsky designava como a função própria da arte.
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