Afterschool, primeira longa-metragem de Antonio Campos, é um grande exercício de cinema, que vai buscar, antes da poesia de Gus Van Sant, as raízes da obra de Michael Haneke ou, se quisermos especificar um trabalho seu, a Benny’s Video.
Para este filme, Campos foi assaz perspicaz: por um lado, tece uma crítica social ao filmar o protagonista como um estrangeiro numa escola e microcosmos esburacados em vícios, mas fechados numa falsa moral e constante busca de ilusões que a sustentem; por outro, distancia-se do miúdo para demonstrar o absurdo do seu próprio vício, o do voyeurismo solitário de que o nosso actual mundo ocidentalizado ficou característico, engolido e entupido. Assim, fá-lo filmar-se a masturbar-se e a ver pornografia na Internet, fá-lo falar sobre os vídeos de gatos a tocar piano, fá-lo filmar os últimos instantes de vida de uma pessoa e contemplá-los em mórbido prazer, tudo com uma absoluta e implacável distância, de tal forma que o próprio espectador é obrigado a sentir-se sozinho a assistir a um espectáculo de terror.
O que impressiona, pois, é a câmara do norte-americano, que se aproxima à vigilância de uma de segurança, pela rigidez e pela forma como se interessa pela acção decorrente. Mais que querer captar as expressões das personagens, os longos planos sequência e os meditados enquadramentos, geralmente muito fechados, procuram justificar uma estética de forte realismo e distanciação das personagens, e uma dura rejeição à brevidade e espectacularidade dos novo media e à democratização do meio audiovisual. Para Campos, há o cinema e há o áudio e o vídeo, que são para si inconciliáveis. A forma que crê ser melhor para o comprovar é juntando-os: ridicularizando, primeiro, o esforço do protagonista em fazer um vídeo de homenagem a duas desconhecidas a que assiste a perda da vida, deparando-se com a fúria de quem recebe o resultado final, reclamando, entre outras coisas, o facto de “não ter música”, e ridicularizando, depois, o trabalho de quem quis remontar os mesmos ficheiros de vídeo, mostrando ao espectador um vídeo, repleto de lugares comuns e fórmulas feitas, que quer puxar a lágrima ao público-personagem de Afterschool (e esta é uma reviravolta interessantíssima, porquanto obriga à reflexão sobre a imbecilidade própria do público do cinema pipoca). Para além desta preocupação, Campos também surpreende ao manobrar a atenção constante do espectador nos planos estáticos e demorados, colocando imagens fortes como uma televisão ou uma câmara de filmar, atingindo o efeito do espelho que Haneke é exímio a executar (relembro o seu «Caché»).
A forma de Afterschool é, assim postos os termos, um manifesto do autor, que aproveita, com a história, dotada, infelizmente, de algumas deficiências, para tocar nos pontos que lhe interessam e nas inquietações que assolam o pensamento. O final do filme é certeiro – o espectador metaforiza-se no inimigo, no público fantasma que é o voyeur, e é apanhado pelo protagonista, que, de costas para nós, olha de soslaio com um medo de morte. A cena perfaz a totalidade da película, que não é mais senão um quadro pessimista de uma nova geração emergente: a do Youtube e da crescente insensibilidade imagética e artística.