Depois do aclamado internacionalmente (e, bastante previsivelmente, ignorado pela Academia norte-americana) Elephant, muitas eram as expectativas criadas para aquele que seria a última película da apelidada “trilogia da morte”, pelo menos daqueles a quem o realizador tinha, nesta sua década dourada, comprazido. E, apesar de me parecer óbvio que estou perante uma produção cinematográfica inolvidável com este Últimos Dias (felizmente não os da carreira dele!), é-me difícil não admitir que não é pelos motivos mais positivos. Onde errou Gus Van Sant? E por que o fez? Talvez, provavelmente, por se ter perdido no seu próprio mundo, tal como Blake o fez.
Não é já visível o cuidado com que o realizador trata as suas personagens (que, como já o sabemos, também se vão construindo em função da criatividade dos actores), prendendo-se unicamente, desta vez, aos cânones inovadores por si criados nos precedentes filmes e abandonando, por completo, o protagonista com os seus demónios incorpóreos. O anonimato deste, a falta de um mínimo de conhecimento de que temos sobre ele (que impossibilita, como consequência, a nossa afinidade) e a completa e inumana distância estabelecida com todos os seres vivos no filme, tudo isto, apesar de deliberado e, efectivamente, revolucionário, confunde-se, infelizmente, com a aparente incapacidade de Van Sant em ser valente o suficiente para filmá-lo e fazer-nos senti-lo, em toda a sua amargura e desvairamento. O cineasta, com este trabalho, consegue decepcionar os seguidores mais fiéis à sua filmografia e estilo, e faz com que tudo o que capta, apesar de, em termos estéticos, belo e em sintonia com a natureza, se afigure excessivamente imponderado, cansativo e desnecessário, levando à tela más imagens e cenas sequenciais (umas improvisadas, outras não) que nada trazem de novo ou significam.
Esta fraqueza de Gus repercutiu-se, felizmente em força menor, também na manifestação das interpretações dos diversos actores que compõem Last Days, especialmente na de Michael Pitt (o mesmo que nos presenteara já com uma representação respeitável no magnífico “Os Sonhadores”), que se encontra, aqui, em completa metamorfose física e mental e que poderia ter mostrado muito mais de si. É, muito provavelmente, a sua prestação inquietante e, portanto, inesquecível que consagra o clímax da fita, a par da fotografia e som magníficos, assim como umas poucas cenas que contrabalançam todo o cenário negativista que desta película fui, até agora, traçando. Exemplo mais edificativo do que o maravilhoso vídeo situado depois deste texto não se poderia encontrar, transportando-nos, de uma forma brilhante, para a revolta e pesar de que o músico vivia. Estranhamente, ou talvez não, esta foi uma das poucas cenas eliminadas do produto final do filme...
Last Days é, na falta de melhor expressão, um interessante mas pretensioso e reciclado faits divers, tentativa que poderia resultar numa magnificência que o elevaria ao estatuto das melhores obras do realizador não fosse o seu erro crasso em ter seguido caminhos menos certeiros no que à concretização geral da obra diz respeito.
6/10
Curiosamente ou não, ainda consigo gostar mais deste LAST DAYS do que de ELEPHANT. É profundamente introspectivo, de uma beleza hipnótica: características que também encontro em ELEPHANT mas não com a mesma natureza. Em LAST DAYS parece já não haver esperança. Está tudo perdido. E esse quadro é assustadoramente bem conseguido.
ResponderEliminarEnfim, opiniões ;)
Cumps.
Filipe Assis
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Agora vi-me forçado a comentar. Discordo de todo.
ResponderEliminarPara mim não só é 10/10, como é o melhor filme da sequência "Trilogia da Morte + Paranoid Park".
Não sei se tem a ver com isso, mas foi também o filme que atraiu para a obra do realizador.
É aqui que o voyeurismo do cinema de Van Sant atinge o auge, com as filmagens de trás e os lentos e harmoniosos movimentos de câmara.
Esse shot que tens aí em vídeo ficou no filme mas de outro ângulo, e ficou ainda melhor. É quando Blake está a "fazer barulho" com as guitarras e a bateria e nós vemos pelo lado de fora daquela imponente janela... bem, enquanto nos afastamos lentamente, sentimo-nos verdadeiramente a deixar Blake novamente no seu mundo.
E é esta forma singular como a alienação da personagem nos é mostrada que faz do Last Days tão especial.
Mais uma coisa, se me permites que te pergunte, conheces minimamente a personalidade de Kurt Cobain?
Sabes que o filme é uma homenagem, e acho que conhecer bem quem foi o Kurt, ajuda a compreender o filme em si, tu que falas na falta de conhecimento e afinidade que tens em relação à personagem - acho que isso deriva daí.
Pelo menos a mim, como fã do frontman dos Nirvana, afinidade com a personagem não faltou. ;)
Roberto,
ResponderEliminarJá tinha lido o teu texto relacionado com o filme, e consigo compreender a admiração que tens deste LAST DAYS, que não consigo partilhar. Sim, são opiniões :)
Abraço
Back Room,
Curiosamente, este foi o último filme que vi da "trilogia da morte+paranoid park" e, em comparação com os restantes, discordo quando afirmas que LAST DAYS é o melhor da sequência. Para, é o pior, pelas razões que enunciei na crítica. Consigo muito bem imaginar o sentido metafórico da forma como o realizador filma tão distante o Blake (como referiste, uma forma de alienação), mas, a meu ver, foi desta vez mal sucedido.
Quanto à cena substituída, continuo a preferir a eliminada - apesar da que ficou me agradar.
Por fim, soube sempre - até antes de o ver - que o filme era baseado parcialmente nos últimos dias de Kurt Cobain - ícone que sempre me despertou o interesse pela sua vida atribulada -, mas, muito sinceramente, não creio que Van Sant quisesse dirigir o filme apenas para aqueles que eram conhecedores da vida de uma pessoa real. Terá, forçosamente, um ignorante de se cultivar sobre Cobain para compreender o filme e/ou criar afinidade com uma personagem, que é de ficção e, portanto, não real?...
De qualquer das formas, consigo dar valor à obra mas, infelizmente, não me agradou tanto quanto outras do cineasta. A subjectividade de opiniões eram inevitáveis em relação a este género de filme, o que reforça a posição de Gus Van Sant de artista...
Obrigado pelo comentário!
Abraço
O que me matei no Porto à procura deste filme, que estava indisponível em quase todo o lado. Mas finalmente encontrei-o!
ResponderEliminarClaro, tens toda a razão quando dizes que não devia ser preciso conhecer uma pessoa real para criar afinidade com a personagem.
ResponderEliminarNão sei se é ou não - sei que ajuda a compreender.
Até porque não é bem recriar os últimos dias, é mesmo homenagear.
E sinceramente acho que tem significado que a trilogia feche com a homenagem a Kurt Cobain - porque poucas pessoas representarão também a última geração inocente da América (a tal que alguém escreveu ser "a última a crescer a ver a Rua Sésamo")e incapacidade de esses jovens se adaptarem.
E claro que sim - a divergência não só é positiva como salutar.
Como disse Oscar Wilde:
"A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte mostra que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo."
Abraço. ;)
Eu próprio guardo um ódio de estimação por Kurt Cobain e por todo o hype que surgira em relação à sua qualidade musical. Não querendo enveredar por tais assuntos, Cobain e os Nirvana marcaram uma geração pelo seu conceito - e apenas. E penso que para observar a obra de Van Sant não é preciso ser-se fã ou conhecer minimamente a personalidade do músico, mas sim, interiorizar a espiritualidade do realizador, do actor e da ambiência. Nada mais.
ResponderEliminarExcelente crítica Flávio ;)
Abraço!
Jackson, passando também a discussão sobre a qualidade musical dos Nirvana, o que eu disse não foi que era preciso conhecer a personalidade do Kurt.
ResponderEliminarEu disse que conhece-la podia criar maior afinidade.
Não posso concordar com a banalização que estão a dar ao facto de ser uma homenagem a Kurt Cobain, até porque a figura de Kurt Cobain é um excelente reflexo da reflecção que Van Sant fez sobre os jovens e a morte.
Quer dizer, não está lá por acaso.
;)
Não consigo concordar com esta crítica, e tampouco não consigo rever-me nos comentários que foram escritos..................últimos dias é dos piores filmes nalguma vez feitos; de interessante nao tem nada tem e chega-nos quase a fazer perder a paciencia com esta porcaria pretensiosa-que-se-diz-indie. Nunca antes fiquei tao revoltado por ter gasto os meus 6 euros no cinema. E, vcs, intelectuais que se dizem gostar deste "REALIZADOR"... vejam se abrem os olhos.
ResponderEliminarTiago Ramos,
ResponderEliminarVê, então, o filme :) Espero pela tua opinião!
Back Room,
Nunca tinha interpretação como a tua a respeito do que disseste sobre o facto de a trilogia terminar com a homenagem a Cobain - contudo, volto a reforçar a ideia de que não é ele... tal como Van Sant disse, em Cannes, "«Last Days» é uma ficção, um exercício poético sobre os últimos dias da vida de uma estrela de rock chamada Blake, parecida com Kurt Cobain".
A citação de Wilde disse tudo, em relação ao filme.
Jackson,
Discordo quanto à tua opinião em relação aos Nirvana, mas também não posso dizer que estes definiram "uma geração". E, sim, é preciso não nos termos de cultivar sobre uma personalidade marcante como Cobain, mas "interiorizar a espiritualidade do realizador, do actor e da ambiência", tal como muito bem o disseste. Obrigado pelo elogio!
Anónimo,
O teu comentário, infelizmente, para além de rude foi algo ignorante. A disparidade de opiniões, aqui, é completamente aceite mas, só porque assim o é, não quer dizer que aqueles que não detestam o filme sejam menos do que tu, ou que precisem de "abrir os olhos".
Abraços
Grande sabedoria aqui do Anónimo que nos tenta ridicularizar pelo perfil intelectual e pelo gosto por Van Sant. Sim, pois ele mesmo é um poço de sabedoria e diligência, veja-se o seu comentário de uma astronómica relevância. :)
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