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quarta-feira, maio 16, 2012

Quando a América encontra o seu pesadelo e lhe dá um nome




Kevin — falemos dele. Olhamos para a imagem de cima (fotografia de cena da mais recente longa-metragem da escocesa Lynne Ramsay, We need to talk about Kevin) e recordamos o espetáculo de "matricídio" e horror que sustenta este filme. “Matricídio” porque, muito embora o fantasma esteja envolto num massacre da escola, a atenção está na relação de um filho (o já aluno outsider de Afterschool, Ezra Miller) contra a sua mãe (Tilda Swinton). É sobre ela que enfrentamos um caso de profunda disfuncionalidade e polarização levada, neste caso, à sua expressão mais radical. Como? Ao funcionar como uma espécie de sequela contemporânea de Rosemary’s Baby, de Roman Polanski — Kevin é esta “semente do diabo”, um psicopata e um animal mau porque assim nasceu; a mãe é apenas a vítima que o tentou aguentar. 

Por muito que Ramsay filme situações que desejam gerar conflito de identificação no espectador (exemplos: quando a personagem interpretada por Swinton dirige o carrinho de bebé para as obras na rua ou quando o magoa em criança), o filme não consegue sair desta bifurcação, sem dúvida ingénua e presente em muitos dos modelos televisivos, de bom (mãe) / mau (filho), justo / injusto, inocente / culpado. Mas a disfunção é também metafórica, como se quisesse remeter a um confronto entre uma América sem fulgor e os seus filhos (os que passaram por Columbine, a escola de Elephant ou mesmo de Afterschool) — mas um confronto que não passa pela compreensão ou pela instalação da dúvida (caso do filme-mestre de Gus Van Sant), mas antes por uma resposta que tem tudo de simplificador e de confortável (há uma génese patológica e diabólica nestas mentes conturbadas…) 

Esta história de monstros (interessante é a escolha de Swinton e Miller: como dois extraterrestres se apercebessem de que são familiares) encontra uma correspondência formal também ela absolutamente redutora. Falamos da utilização exaustiva do dispositivo do flashback, da câmara que desfoca e volta a focar o enquadramento por razão nenhuma ou da apropriação simbólica do vermelho (como na cena de abertura, na Tomatina espanhola). Sobre esta última, Ramsay tenta, primeiro, fazer uma relação, que se mostra rebuscada, com as imagens de sangue e de carnificina e, segundo, fazer colagens inúteis de outras referências, caso de Andy Warhol (na cena de supermercado). Acabam por ser na verdade citações irrelevantes e que desmascaram a voz do filme, vaidoso na sua realidade hiperbolizada. 

É contudo curioso que um filme, que se esperava perturbante, o seja precisamente por razões que não eram pretendidas. Sustentado por um discurso pobre e maniqueísta, não parece que se tenha querido falar muito sobre Kevin.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Post(ers) [11]


We Need to Talk About Kevin (2011), de Lynne Ramsay

sexta-feira, maio 13, 2011

Cannes 2011 [2]: Jovens à beira de um ataque de nervos


O segundo dia do Festival de Cannes esteve ontem marcado pela projecção de três filmes (dois deles em competição) que se debruçam sobre as questões que trespassam a juventude contemporânea. Exibiu-se «We Need to Talk About Kevin», longa-metragem em competição para a Palma de Ouro da realizadora Lynne Ramsay e que representa o Reino Unido na festa do cinema internacional. Ramsay traz-nos a história da relação de uma mãe (Tilda Swilton) e do seu filho que se deteriora e impõe questões entre os dois após um terrível massacre cometido por ele no liceu onde estuda. Na conferência de imprensa (que aqui pode ser visualizada integralmente), Lynne diz: «não desejei introduzir o massacre para não mostrar algo de extremamente violento, mas também para preservar o ponto de vista da mãe, que apenas pôde imaginar a cena. Quanto à violência de Kevin, pode ser comparada com a do mundo». Vasco Câmara, sobre esta longa-metragem, é agressivo e, comparando-a com «Elephant», de Gus Van Sant, escreve que este é um «filme escatológico, obcecado pelos restos, está encadeado nos seus próprios efeitos; a realizadora acredita que está a fazer "arte", mas a verdade é que durante a meia hora inicial o espectador não sabe o que está a ver. A não ser que é coisa grosseira. O elefante aqui é Lynne Ramsay.»


Sobre Gus Van Sant, assinala-se a estreia de «Restless» na abertura da secção Un Certain Regard, uma história de amor atípica entre uma rapariga em fase terminal de cancro (Mia Wasikowska) e um rapaz (Henry Hooper, filho de Dennis) que desde a morte dos pais deixa de querer viver. Este retorno para a juventude (relembre-se «Elephant», mais uma vez, e «Paranoid Park») faz com que o crítico do Ípsilon ache que o filme «é uma certa forma de olhar, de enfrentar o pânico e encarar de frente. Faz sentido, por isso, que não se encontre aqui o aparato atmosférico de Van Sant, aquela forma oblíqua de fazer sentir.» João Lopes, crítico do Diário de Notícias e um dos autores do blog sound+vision, acha por seu lado que «é de facto uma maravilhosa love story, livre e libertadora, cruel mas serena, alheia a qualquer demagogia artística, longe do ruído mediático dos tempos.»


«Sleeping Beauty», a primeira longa-metragem da romancista Julia Leigh, que nos traz a história de uma estudante (Emily Browning) que se envolve numa rede de prostituição de «belas adormecidas», chegou à realizadora «de imediato sob a forma cinematográfica, passar para a escrita de cinema pareceu-me natural. O escritor e o realizador trabalham com os mesmos elementos, com personagens e um tema a desenvolver», tal como responde na conferência de imprensa (a ser vista aqui). Vasco Câmara lamenta, contudo, «que Julia Leigh não se tenha mantido (medo de não aguentar assim o filme?) nessa zona amoral, traindo a forma como arrancou Sleeping Beauty, e assim traindo-nos também, ao passar para os "clientes" e para as suas razões e ao dar a ver o que a personagem não pode ver. É que na ritualização da palavra e no erotismo Julia é uma realizadora bem mais banal.» João Lopes discorda, dizendo que «há, aqui, um realismo desencantado das relações humanas que se vai desdobrando numa cruel fábula existencial, visceralmente contemporânea. Faz lembrar alguns dos primeiros títulos da filmografia de Chantal Akerman (p. ex.: Je, Tu, Il, Elle, de 1974), mas é um trabalho pessoalíssimo, afirmando uma verdadeira autora.» O filme compete pela Palma de Ouro.

«Trabalhar Cansa», obra do par de realizadores brasileiro Juliana Rojas e Marco Dutra, foi projectado em Cannes e luta pela Câmara de Ouro, já que se trata de uma primeira longa-metragem.