Estou cada vez mais próximo da ideia de que uma lista de melhores filmes do ano reflete, mais do que qualquer desejo de consenso em torno daqueles que são “melhores” sobre a totalidade de filmes estreados, o olhar de quem os vê – uma lista, afinal, daqueles dez filmes de 2012 que me marcaram em 2012. Uma lista que, como uma crítica ou tudo aquilo que se produz sobre cinema, é permeável à mudança, ao tempo. Dito isto – eis dez filmes muito ricos e profundos, que alimentam a dúvida e um gosto por traduzir um pouco sobre o nosso estado de espírito. Mas, sobretudo, eis-me a mim em 2012, ano particularmente rico em crescimento e descobertas pessoais. Por razões de gestão pessoal mantive o mesmo critério do ano passado: listar apenas longas-metragens que tenham tido estreia comercial em Portugal.
10 - Magic Mike, Steven Soderbergh – Um corpo que é uma mesa – Steven Soderbergh parece celebrar, por um lado, todo o libido associado ao nosso encantamento pelo sexo e pelo dinheiro; por outro, abre-nos a porta para a redenção do amor (lembram-se do último plano do filme? um beijo rápido, quase engolido pelos créditos finais, filmado de longe como se estivéssemos perante um ato de uma estranheza – e verdade – libertadoras).
9 - Procurem Abrigo, Jeff Nichols – Imagem obcecada por uma simples ideia de felicidade – uma família é um porto de abrigo, quer dizer, um shelter construído quando chega uma tempestade –, o protagonista de Nichols é uma espécie de super-homem, aquele que coloca o seu núcleo duro em proteção até o fim do mundo. Ou talvez não: é um simples homem que procura obcecadamente regressar a um conforto que está para sempre perdido.
8 - Cavalo de Guerra, Steven Spielberg – Objeto de uma beleza, estranheza e fulgor surpreendentes, como se o reconhecêssemos (sim, aquele céu, olhares e ética são de quem? John Ford ou Spielberg?) e, ao mesmo tempo, o percebêssemos como um alienígena (“tanto optimismo para 2012? só pode ter chegado tarde...”). Filme incompreendido, talvez. Mas sobretudo um olhar sobre o gosto pela aventura, pelo desconhecido, pelo ponto de retorno – a nossa casa.
7 - Martha Marcy May Marlene, Sean Durkin – Um olhar que que não nos diz nada, que olha para o infinito, que abandona o dia e dentro do qual perdemos o nosso próprio olhar – nos perdemos a nós. Eis um exercício assustador que, sobretudo a partir da montagem, nos coloca numa corda entre dois precipícios e insiste em perguntar: quem és tu que me olhas, e: quem sou eu que me descubro? Deste filme não sairemos tão cedo.
6 - Deste Lado da Ressurreição, Joaquim Sapinho – Os sentidos escorregam por entre os dedos para ficarmos com um filme perigoso (a cena no mar à noite...), intenso (e já agora: maltratado, posto no canto daqueles que “não dizem nada”, mas essa é outra história), que alimenta o mistério e é contaminado por uma beleza compulsiva. Trabalha o nosso desejo de reunião de uma família destruída pela ausência para nos devolver a possibilidade de reunião com o sagrado (o amor, afinal, continua o maior dos mistérios...)
5 - Extremamente Alto, Incrivelmente Perto, Stephen Daldry – Tão triste quanto aquilo que nos separa do elevador que nos conduz até os mortos, vejo-me aqui perante algo que me diz: procuras a fechadura, sempre, para quê? Para que um avião vá contra as Torres Gémeas, para que o teu pai morra. De novo: para quê? Eis o absoluto tocado de modo tão comovente – as coisas... não fazem sentido. Objeto coral (todos nós estamos aqui), de uma energia, coragem e poder arrasadores.
4 - Holy Motors, Léos Carax – “Diz-me a verdade”, repete o pai para a filha que chora, o tio que está prestes a morrer – como fazê-lo se todos só somos isto, aqueles que se maquilham e saem à rua a hora das marcações? Filme de fronteiras e de máscaras, tão labiríntico como as nossas identidades, que olha para o cinema como milagre (o fascínio pelo movimento assim o traduz) e espaço de experiência: aqui temos a permissão para morrer e renascer.
3 - Vergonha, Steve McQueen – Que corpo é este que se esconde e contorce? Eis um ponto de encontro com seduções: pelo sexo, naturalmente, meio de alienação (no orgasmo somos todos um – um para além de qualquer coisa física); sedução pelo abismo (lembram-se do riso de Brandon no bar? como podemos ter a coragem de o enfrentar?); sedução pela destruição. Entrar ou sair do filme, eis a opção-limite daquele a quem só lhe é pedido o olhar.
2 - O Cavalo de Turim, Béla Tarr – Filmar espaços vazios é um gesto de grande coragem – uma Bíblia, para Béla Tarr, pode ser apenas uma Bíblia. A sua materialidade, essa sim, assusta-nos. Porque é só um livro, só uma batata, só um poço, só algo que vai desaparecer. Eis o vazio – e eis o nosso medo de o encontrar no cinema. Ainda hoje não sei como reagir ao abismo para o qual Tarr me lança – temo perder-me dentro dele e nunca mais voltar às ilusões.
1 - Amor, Michael Haneke – Nestes corredores caminharam e morreram duas pessoas – e o amor? Contamina a imagem como um fantasma – naquele quadro ali, a paisagem desoladora que nos lança para o infinito, naquele chão onde a cadeira de rodas deslizou como um jogo de dois miúdos. Basta-nos isto: retrato da vida, “como é bela”, retrato da solidão – do fim.
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