Ontem estreou, no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o último (em todos os sentidos, já que o realizador anunciou que deixará de trabalhar em cinema, infelizmente) filme de Béla Tarr: O Cavalo de Turim. No Facebook, Paulo Soares questionou a Midas Filmes quando à sua distribuição e esta foi a resposta que recebeu:
Por outro lado, o crítico de cinema do Público/Ípsilon Jorge Mourinha, acabou de publicar a sua opinião sobre o filme, que passo a transcrever:
«O fim do mundo na nossa casa habitual num dia de tempestade»
O último filme do mestre húngaro Béla Tarr, "The Turin Horse", é uma experiência sem paralelo - para o bem e para o mal
O último filme do mestre húngaro Béla Tarr, "The Turin Horse", é uma experiência sem paralelo - para o bem e para o mal
Vamos pôr a coisa assim: não houve outro filme na competição de Berlim este ano tão condenado a dividir – crítica, público, opiniões. Que "The Turin Horse" esteja a concurso em Berlim já é de si extraordinário; que este filme sequer exista é prova que, afinal, ainda é possível existir espaço para objectos longe de unânimes, que desafiam todas e quaisquer convenções.
E dizer que "The Turin Horse" as desafia não chega. O formalismo brutal, irredutível, do cineasta húngaro Béla Tarr tornou um pequeno contingente de colegas cineastas e críticos mundiais devotos prontos a tudo para o seguirem (Gus van Sant que o diga, que o tem citado em jeito de homenagem em fitas como "Gerry" ou "Últimos Dias"). Mas arrumou-o também na gaveta dos autores radicais que, pela própria natureza intransigente do que fazem, nunca chegarão às massas ("Sátantángo", considerado a sua obra máxima, dura sete horas e meia; em Portugal, "The Turin Horse" será a sua primeira estreia em sala, dos anteriores só "O Homem de Londres", fita atípica de 2007, chegou ao DVD).
Tarr não é para quem quer. Nem sequer para quem pode. E só para alguns – a par de autores lusos como João César Monteiro ou Pedro Costa, de radicais europeus como Jean-Luc Godard ou Jean-Claude Brisseau, mas levando esse radicalismo a um limite insustentável de austeridade e escuridão, Tarr é um daqueles visionários que ou se pegam ou se largam, mas que nunca nos deixam indiferentes.
Na primeira de duas projecções de imprensa de "The Turin Horse", na noite de segunda-feira, metade da sala foi saindo ao longo de duas horas e meia de projecção. A outra metade deixou-se ficar sentada quando o filme acabou, incerta sobre aplaudir ou vaiar (escassos exemplos de ambos foram ouvidos; um crítico italiano soltou um"bravo! Grazie!" sentido).
Sem meias palavras, "The Turin Horse" é um filme sobre a morte. O testamento de um cineasta que diz ser esta a sua última obra e estar cansado de lutar para montar os seus filmes; a depuração do seu estilo minimalista composto de longuíssimos planos-sequência de câmara fluida, rodados a preto e branco — apenas duas personagens, um único cenário, uma única peça musical repetida na banda-sonora, escassos diálogos.
"The Turin Horse" vai buscar o título ao acontecimento que terá despoletado o colapso nervoso de Friedrich Nietzsche – o chicotear de um cavalo por um cocheiro de Turim – mas descarta esse "fait-divers" na narração de abertura. As duas horas e meia que se seguem contam o fim do mundo visto pelos olhos de um cocheiro e da sua filha que habitam uma província isolada, que se agarram aos seus rituais quotidianos em nome de uma sobrevivência tão vã como desesperada, enquanto lá fora o mundo vai, literalmente, desaparecendo.
Sim, é verdade: nada, realmente, acontece em "The Turin Horse". E, no entanto, nesse enorme nada em direcção ao nada, o simples método de Tarr - a repetição, a insistência - constrói uma tensão, uma angústia, um mal-estar surdo que não só nunca nos abandona como cria um crescendo quase insustentável, literalmente arrastando-nos para um exercício terminal de claustrofobia que nos confronta com o vazio, com o absoluto, com o fim de tudo.
Gostar ou não gostar de "The Turin Horse" é passar ao lado do que faz o cinema de Béla Tarr – a simples experiência de o ver (diríamos: de o suportar) num grande écrã. É uma simples tabuleta à entrada do caminho que leva ao coração das trevas: “daqui para a frente há monstros”. Ame-se, odeie-se (e não há outra maneira de se olhar para Béla Tarr que não seja assim, absoluta), daqui ninguém sai ileso.
O aviso está feito. Cada um que se aventure por sua conta e risco.
Agora é que fiquei em pulgas ;)
ResponderEliminarSem dúvida Álvaro :)
ResponderEliminarIa fazer exactamente este mesmo post :)
ResponderEliminarAcredito, eheh ;)
ResponderEliminarAo menos isso.
ResponderEliminarFrank and Hall's Stuff
Engraçado: acabei de postar um post no meu blog a dizer mais ou menos isto!
ResponderEliminarJuro que só agora li este teu post, Flávio ;)
Anyway - grande notícia!
Sim, Bruno.
ResponderEliminarOh Victor, eu acredito, não precisas de jurar eheheh É de facto fantástico, isto de termos Tarr em Portugal (ou um filme dele).
heheh, «nada em direcção ao nada». Venha ele e rápido.
ResponderEliminarReli o teu texto. Só uma rectificação: "O Homem de Londres" teve exibição em sala. Pelo menos eu vi-o em sala!
ResponderEliminarCerto, Victor. Foi um erro escrito pelo Jorge Mourinha, fica então aqui a rectificação. Obrigado :)
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