“O Banquete de Casamento” (1993), realizado por Ang Lee é, sem sombra de dúvida, um daqueles raros casos que não nos custa reconhecer que irreverente, original, inovador, divertido e tocante são alguns dos muitos adjectivos com que podemos descrever esta película imperdível. Mais do que uma comédia que combina o drama e o romance como subgéneros, o nomeado para o Óscar de melhor filme estrangeiro tem uma forte componente moral e ajuda-nos não só a compreender com mais facilidade outras culturas, mas também a acabar com alguns preconceitos ainda presentes na sociedade actual.
Wai-Tung (Winston Chao) é um bem-sucedido empresário tailandês na área do imobiliário naturalizado na cidade de Nova Iorque e que vive feliz com o seu namorado Simon (Mitchell Lichtenstein). Wai-Tung teria uma vida perfeita se não fosse a mentira que durante mais de vinte anos deu a entender aos seus pais (Sihung Lung como pai e Ah Lei Gua como mãe). Eles desconhecem a condição do filho e estão ansiosos por ver o único filho a dar o nó, dando-lhes, assim, netos. Simon forja, dessa forma, um esquema que beneficiaria não só Wai-Tung e os seus pais, como também uma das suas inquilinas, a artista plástica Wei-Wei (May Chin) que, sendo uma imigrante ilegal, desespera por um visto de residência americano. Todo o plano parece perfeitamente exequível até que os pais de Wai-Tung decidem sair da Ásia e ir de propósito para os Estados Unidos da América assistir ao casamento do filho. Wei-Wei muda-se para a casa de Wai-Tung e Simon que, por sua vez, protagoniza o papel do amigo na farsa. Realiza-se de forma apressada um casamento “à americana” para despachar todo aquele aparato e que desilude em grande escala os pais de Wai-Tung que decidem fazer outro casamento mais convencional que valorizasse as tradições asiáticas e que, após a cerimónia, se sucedesse um grande banquete com trezentos convidados, cortesia do dono do restaurante, amigo do pai do noivo. Tudo isto foi o suficiente para se suceder uma grande confusão, agravada por problemas como a distância relacional que se começa a sentir entre Wai-Tung e Simon, e o entusiasmo de Wei-Wei, que se chega a esquecer que é apenas uma actriz naquela grande encenação.
O rumo que o filme toma, terão de ver depois. Começo por aplaudir todas as interpretações deste fantástico elenco, sobretudo May Chin, que protagoniza a divertida Wei-Wei de uma forma absolutamente genial. Já Winston Chao e Mitchell Lichtenstein estiveram igualmente bem, trazendo até o grande ecrã uma naturalidade e um à-vontade enormes, favorecendo a imagem que se tem sobre as relações entre homossexuais, quase sempre estereotipadas como sendo ou promíscuas ou demasiado perfeitas. Destaco ainda a personagem do pai de Wai-Tung, interpretada por Sihung Lung, que conseguiu de uma forma perfeita representar alguém sábio e muito misterioso, sendo de certa forma o ponto de equilíbrio para a grande desordem presente no filme. Tudo nos actores, todos os diálogos, expressões e acções, nos parece espontâneo, contribuindo para um incrível e genuíno realismo que me impressionou bastante. É, evidentemente, um ponto muito positivo e ajudou para que este filme resultasse.
A história da fita em si é, em poucas palavras, completamente deliciosa. Percebe-se uma grande mestria na construção do argumento e também um grande cuidado em todos os acontecimentos e diálogos, algo que valorizo imenso. Em comparação com a maioria do cinema americano, onde tudo é previsível, repetitivo, irreal e cliché, diria que “Xi Yan” aproxima-se mais do cinema europeu (mais propriamente o francês, espanhol e italiano), onde já não é tomado tão em conta o sucesso que os filmes farão a nível monetário mas sim a sua potencial qualidade artística. Desde a cena em que Wei-Wei tenta, em vão, estrelar dois ovos à cerimónia do primeiro casamento, o espectador consegue perceber que tudo foi pensado, até o mais discreto gesto na primeira vez que se vê o filme nos passa ao lado, obrigando-nos, de certa forma, a revê-lo. De qualquer das formas, não nos é penoso voltar a ver aquelas cenas que nos entretêm. É comédia, sim, mas que utiliza piadas realistas e, ao mesmo tempo, engraçadas, sem serem forçadas (aconselho a todos verem esta cena). Para além disso há, como disse na introdução, os subgéneros, o drama e o romance, que se complementam para tornar este filme um verdadeiramente emocionante. Não serão poucos, certamente, os que se reverão em alguma cena deste “Banquete de Casamento”.
Muitos descrevem este período como o de ouro para Ang Lee, aplaudindo os seus filmes. Creio que todos concordamos que “Hulk” (2003) foi um ponto de viragem negativo para o realizador consagrado pela adaptação da obra de Jane Austen “Sensibilidade e Bom Senso”, que chegou mesmo a temer o futuro da sua carreira por um filme, mas que bem recuperou com o belíssimo “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005). Neste filme podemos ver uma boa realização, no entanto, sem nenhum plano memorável sem ser a do final, mas podemos reparar na grande dedicação com que Lee filmou as suas personagens e no esforço com que tentou sempre dinamizar a acção. A cena final está imensamente bem conseguida, traduz-nos um grande sentido de esperança, e resume-nos, de certa maneira, o propósito da fita, com uma a história que tem um lado de inovador e, por conseguinte, polémico. Isto porque o filme já tem quinze anos de existência e os temas abordados – a homossexualidade, a imigração e o choque cultural – são assuntos ainda muito actuais e que continuam a gerar discussão nos dias de hoje. Ajuda-nos a reflectir sobre todas as ideias pré-concebidas presentes dentro de nós, como indivíduos e cidadãos responsáveis, em grande medida, pelas medidas relacionadas com tais questões tomadas a nível político e social lugar onde nos inserimos. É claro que a tolerância é, por assim dizer, o valor central desta película e convém relembrar que deve ser considerada em todos os casos, para que, daqui a alguns anos, não seja preciso, por exemplo, demorar-se vinte anos para se assumir sexualmente.
É um filme que merece ser visto, revisto e saboreado, entretém-nos até o último minuto e faz-nos reflectir sobre importantes assuntos. Simplesmente imperdível e surpreendente.
Nota Final: 9/10
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