Seduzido pela escrita de Ian McEwan com “Expiação”, e após a Sandra me ter aconselhado a leitura deste, comprei “O Sonhador”, um romance direccionado principalmente às crianças e jovens adolescentes mas que aos adultos não fica indiferente, ou pelo menos não deve. O que achei?
Ao virar da primeira página somos de imediato confrontados pelo universo de Peter Fortune, de dez anos, que aparenta ser semelhante a qualquer outra criança: vive com os pais e a sua irmã Kate, tem o rosto “pálido e sardento”, e “nunca apareceram médicos de bata branca a quererem interná-lo num manicómio”. A razão por que é diferente é que Peter é calado e vive sozinho entre a imaginação e a realidade, vivendo inúmeras aventuras. São essas aventuras que nos são apresentadas, quase em jeito de contos, embora mantenha a linha de continuidade dos acontecimentos de forma implícita. O primeiro capítulo Peter apresenta-se, e torna-se, assim, uma introdução ao livro:“Neste livro encontram-se algumas das estranhas aventuras que ocorreram dentro da cabeça de Peter, contadas com todos os pormenores”.
São, de facto, estranhas, as aventuras que Peter vive, desde o momento em que trocou de corpo com um gato e um bebé, ou que quase foi assassinado pela vizinha por uma pistola, mas em todas se manteve o facto de que no final tudo passava de um sonho, afinal, é disso que esta obra trata, dos sonhos que temos. Serão eles a prova da realidade verdadeira ou não passarão de devaneios de um grande imaginador? É a questão que, talvez, “O Sonhador” nos coloca, mas acima de tudo, nos ensina a nunca deixar de sonhar, algo que tem sido esquecido frequentemente com os adultos, segundo a análise feita no último capítulo, “O Adulto”, em que Peter se transforma. Como oposto, temos “O Bebé”, que nos remete a uma altura que ninguém se recorda como foi, e podemos, dessa forma, olhar as coisas como um verdadeiro bebé:
O dia passou-se envolto numa névoa de divertimentos, refeições e sestas. De vez em quando, Peter lembrava-se de que devia ir procurar a varinha, mas logo a seguir os seus pensamentos caíam na armadilha do sabor extraordinário da comida, tão bom que a sua vontade era mergulhar o corpo todo lá dentro; ou então eram apanhados por canções que continham ideias estranhas, que requeriam toda a sua atenção - uma mulher que vivia num sapato, uma vaca que saltava por cima da Lua, um gato que estava num poço; ou, ainda, via qualquer coisa que precisava de meter na boca.
Pelos contos serem diferentes, também são originais. E esse é o que torna este pequeno livro tão delicioso, podemos até devorá-lo numa só tarde (uma boa oportunidade de leitura para quem está de férias e vai agora para a praia) e apreciar tudo o que Peter faz, lembrando com nostalgia a nossa infância.
É uma leitura simples, fácil e muito acessível, com uma moral muito entusiasmante. Aqui fica recomendado “O Sonhador”, deixando-vos com uma descrição bastante boa presente no livro:
Voltou-se e olhou para o mar. Estava cintilante até o horizonte longínquo. Estendia-se à sua frente, vasto e desconhecido. Uma após outra, as ondas vinham incessantemente desfazer-se na margem, assemelhando-se, na opinião de Peter, a todos as ideias e fantasias que haveria de ter pela vida fora. (…) Para além de todo (…) o movimento humano, o oceano ondulava, revolvia-se e deslizava, pois nada podia permanecer imóvel, nem as pessoas, nem a água, nem o tempo. (…) Começou a correr em direcção à beira-mar. Sentiu-se ágil e leve ao deslizar sobre a areia. «Vou deslocar», pensou. Estaria a sonhar ou a voar?
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