sexta-feira, novembro 29, 2013

Adèle

Ver este rosto – o que é que ele me diz?, como aconteceu colocar-se a câmara ali, naquele instante em que Adèle decide (com o penteado, aquela luz) devolver, como se a examinasse com tardia curiosidade infantil, um olhar que posa encantamento, hipnose e fantasia de marinheiro e sereia? A lição que Kechiche-Adèle-Seydoux nos dão: para que o copo de cinema transborde com vida é preciso ir para além de pensamentos separados de mise-en-scène (posição da câmara, distâncias, enquadramento sobre determinado espaço e personagem) e então criar um fluxo e uma relação de perfeita adaptação... com o invisível (as emoções e o mundo interior daquela pessoa). A Vida de Adèle segue logo esta premissa mantendo o filme num tom de naturalismo que nos chega e é confortável, quente, luminoso. O que importa é a superação da própria imitação da vida: não basta chorar, é preciso que Adèle, na fase da violação da virgindade adolescente sobre o mundo, coma um chocolate enquanto chora; não basta comer, é preciso que Adèle deixe o molho sujar-lhe a boca – tudo para que tudo (a)pareça de tal modo familiar que nos deixemos aprisionar naquele sistema de fusão entre olhar (o de Kechiche) e ação (o das personagens, tratadas com um respeito esmagador). Dá-me impressão que o primeiro capítulo (a escola, a família e a descoberta são espaços de magníficos detalhes) se impõe sobre o segundo (o desmoronar melodramático, que apressa o fim da relação e que parece confundir as missões de imitação da vida versus tratar o destino desta personagem). Mas trata-se de um filme que quer mais esquecer o cinema para o entregar a um humanismo elevado (o grande plano, que domina, é um olhar satélite sobre o corpo da mulher, que o cobre, por vezes por inteiro como no caso da cena em cima ilustrada) e a um objetivo de procura do “belo” naquilo que há de mais profundamente mundano – a nossa paixão, ou as dúvidas, nascem disto.

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