quarta-feira, novembro 21, 2012

Cahiers para o futuro e mais além

A lista está a ser partilhada e comentários nas redes sociais mas não resisto em deixar-vos, uma vez mais, aqueles que são para os Cahiers du Cinéma os 10 melhores filmes do ano. Carax, a "justa" Palma de Ouro para a revista (que, podemos dizê-lo com conhecimento, parece assumir-se cada vez mais anti-Haneke - basta confirmá-lo na edição de novembro, Michael Haneke - amor e misantropia). De facto, Holy Motors parece estar destinado a ser um daqueles títulos redentores, perfeitamente imperfeitos (no sentido em que celebra a liberdade, a imprecisão do gesto, enfim, a modernidade), que falam para o futuro, como se tivesse vindo fora do seu tempo - é, desde já, para mim, um dos grandes deste século. Aliás, o mesmo acontece com o segundo filme da lista, a adaptação de David Cronenberg de Cosmopolis (confesso as minhas reservas mas não deixo de me sentir agarrado pela seu lado perturbador e sedutor e pela possibilidade de poder ver "outro" filme mais tarde). Gostava ainda de destacar a "fé" em três filmes: Take Shelter, filme de Jeff Nichols de grande e concentrada energia, o fulgor romântico de Keep the Lights On (que venceu o Queer Lisboa na edição deste ano) e, ainda, a importante presença portuguesa expressa com Tabu, de Miguel Gomes. Mas, enfim, listas não deixarão de ser listas; eis uma então com grande interesse:

1. Holy motors (Leos Carax)
2. Cosmopolis (David Cronenberg)
3. Twixt (Francis Ford Coppola)
4. 4:44 Last day on earth (Abel Ferrara)
4. In another country (Hong Sang-Soo)
4. Take shelter (Jeff Nichols)
7. Go go tales (Abel Ferrara)
8. Tabu (Miguel Gomes)
9. Faust (Alexander Sokurov)
10. Keep the lights on (Ira Sachs)

domingo, novembro 18, 2012

"E tive medo do esquecimento..."

Srebrenica, 11 de julho de 1995. As forças de manutenção da paz da ONU mantinham-se impassíveis. Os soldados do exército sérvio da Bósnia, então comandados pelo comandante Ratko Mladić (a ser, neste momento, julgado no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia por 11 crimes de guerra e contra a humanidade), reuniram mais de 8000 homens e rapazes bósnios muçulmanos num estádio de futebol e mataram-nos. Aconteceu há 17 anos. 

Como é que conseguimos lidar hoje com o fardo desta memória? Em que altura é que hoje nos lembramos que o mal existe e que habita a nossa alma perturbada? Ou simplificando: quando confrontados com o real como é que conseguimos viver? 

Quando Joaquim Sapinho viajou para a Bósnia em junho de 1996 e, depois, em janeiro de 1998, esta questão esteve sempre premente. Entre as viagens filmou, primeiro, o desvanecimento de uma ideia sobre um país face “às ruínas e à destruição” e, da segunda vez, ultrapassado o pudor inicial que o impedia antes de apontar a câmara à frente daqueles que choravam e desejavam gritar, filmou “o silêncio e o luto” (Expresso, 15 de julho de 2006). 

Afinal, o que os habitantes e realizador, sobreviventes da Guerra da Bósnia, colocavam em cima da mesa eram cartas muito difíceis de encarar: “as dores de nascimento de uma nação” (Expresso), o confronto com a intolerância e a dolorosa possibilidade em continuar a viver. 

É neste sentido, talvez, que Diários da Bósnia pode ser visto como complemento direto de Je vous salue Sarajevo: enquanto Godard glorifica a “exceção” da “arte de viver” daqueles que colidem com um tempo de guerra na Bósnia, a concentração de Sapinho está na mesma arte da sobrevivência – desta vez, num tempo silencioso de pós-guerra. É por isto que Diários acaba por ser um filme que é inevitavelmente contaminado pela força da religião – recordada como impulsionadora (em parte) do conflito armado ocorrido entre abril de 1992 e dezembro de 1995 e, depois, filmada como “manifestação visível do luto”. É curioso, aliás, perceber como Deste Lado da Ressurreição prossegue o caminho de ver a espiritualidade como o “ajustar de contas” com o absurdo da morte. 

No documentário, esse absurdo ganha expressão, por exemplo, nas cenas do elétrico em direção ao subúrbio, que parece olhar para vivos-mortos, ou nas do Museu de História Natural, assustadoras como os travellings que abrem Noite e Nevoeiro de Alain Resnais. (Será possível acreditar que o filme foi lançado 50 anos antes do Diários? A História era outra e, no entanto, a mesma...) 

A referência mantém-se quando pensamos também em Hiroshima mon Amour (59), do mesmo autor. João Lopes recordou-nos então que “a intensidade do lugar e das suas memórias expunha-nos à violência irrecusável de todas as histórias, a colectiva e as individuais; por outro lado, a consciência de tal violência tornava qualquer discurso hesitante, pudico, consciente das suas drásticas limitações. Mas era importante não desviar o olhar” (Diário de Notícias, 14 de julho de 2006). Diários da Bósnia é, portanto, um dos maiores e potentes exemplos recentes dessa coragem em querer continuar a olhar – por querer compreender. 

A “exceção” de que nos fala Godard (em off, na primeira pessoa e em tom de confissão, tal como Sapinho) está também presente na humildade desta vontade. Lembro-me de uma aula que deu no meu segundo ano. Dizia ele: “é como se houvesse duas funções na arte: uma que serve para que o tempo passe e outra que nos mostra coisas que nos fazem parar.” Quando Sapinho filma a Bósnia tal como a viu (e não exatamente como “é” – quem consegue apontar isto, afinal?) e se propõe a testemunhar a transformação de uma postura (a que se mantém sempre em off e que é protagonizada pelo realizador), está a fazer-nos parar e a relembrar, como Godard a partir da montagem, que a imagem nunca é uma transparência do real. É, por vezes, aquilo que há de invisível e que emana da força do olhar desse real. 

E esse olhar é marcado no filme por uma pulsão eminentemente impressionista – as caminhadas, o chão que percorremos, a cena em que Sapinho filma o cavalo e se perde, parecem fazer raccord com os travellings de Stalker (1979), de Andrei Tarkovsky, que confundiam as memórias com o sonho e o desejo. 

Ao mesmo tempo, Diários parece estar absolutamente indissociável da potência do elemento da neve – é ela que, afinal, vai ditando uma certa ordem pictural nos enquadramentos de Sapinho (basta-nos recordar todos os planos que coabitam com a presença compulsiva da rapariga do lenço vermelho – mas quem é ela? e por que nos fica tão cravada na memória?) 

É sobre a neve que ela vai caminhando; a mesma neve que, mais tarde, faz com que “tememos o esquecimento”. Do horror, do mal, mas também dos cânticos, do reencontro das famílias, da arte de viver, do lenço vermelho na cabeça da rapariga. Mas enquanto exceções como estas viverem continuaremos a aprender a sobreviver.

quarta-feira, novembro 14, 2012

Laurence Anyways – a criação e a colagem

O último filme de Xavier Dolan, apontado como um dos possíveis vencedores da competição do Lisbon & Estoril Film Festival, desaponta; não porque tivessem sido criadas expectativas à volta do trabalho do “petit génie de Cannes” (como foi referido por Melvil Poupaud na sessão a seguir ao filme), apenas porque se pressentia uma evolução relativamente aos seus filmes a este precedentes.

Laurence é um professor de liceu de trinta e cinco anos cujo maior conflito é ter nascido no corpo de um homem sentindo-se mulher. Ao longo do filme passam-se dez anos que acompanham o processo de transfiguração de género por que Laurence atravessa.



Um dos pontos mais interessantes do filme é a fuga ao que seria expectável do tratamento deste tipo de temáticas: as dores da transição, os conflitos internos inerentes a esse processo, as dúvidas e incertezas que eventualmente colocariam em causa essa transformação, …; aqui o que se mostra é a dificuldade no processo de renovação da imagem daquele homem sempre do ponto de vista exterior, ou seja, como é que as pessoas que observam esta mudança passam também por uma caminhada transitiva tão forte como aquele que muda, neste caso a sua namorada e a sua mãe. Ao mesmo tempo levanta-se um paradoxo: a narrativa tenta fugir ao cliché, enquanto a gramática vai sempre convergir às soluções mais básicas e expectáveis relativamente à construção da linguagem.

Isto não é, de todo, o que mais desaponta no filme, porque ao observar a curta obra (sem relativizar este aspeto tendo em conta a idade do autor) de Dolan, o que se retém das suas duas longas-metragens é um pastiche de referências diversas que são aplicadas sem que para isso haja qualquer intenção gramatical que vá de encontro ao tratamento narrativo da ação.

Neste Laurence Anyways isto agrava-se: para além da colagem das referências imagéticas que é feita sem qualquer propósito (exemplo da cena da festa em que há uma cópia descarada do estilo do videclip The Knife, Pass This On), a tentativa de criação de uma estética própria é feita pelo recurso a marcas do trabalho de câmara e montagem que se aproximam da histeria protagonizada pelo trabalho de Cassavetes (a noção de histérico, trabalhada por Deleuze relativamente à obra de Francis Bacon que se verifica no tratamento do estilo feito pelo cineasta referido), que resultam num ritmo frenético e desconectado de qualquer sentido cinematográfico. Dolan não é um auteur, é um cinéfilo que ainda anda à deriva na procura da criação de um estilo singular, mas para isso tem de se demarcar das suas referências e gostos.

O trabalho de inspiração sempre aconteceu na história da criação artística, mas não é pela aplicação direta dessas alusões que um estilo se concretiza.

Contudo, a análise paradoxal que é feita a este filme revela potencialidades que se podem vir a concretizar: há algumas ideias de cinema, há a construção formidável de personagens com uma profundidade relevante; falta o trabalho, a aprendizagem e o pensamento; falta não fazer filmes que respondem às vontades dum festival, mas sim àquilo que se quer tratar, e à criação duma gramática sem preconceito, dotada de ingenuidade e franca.

Ressalvar o trabalho dos atores Melvil Poupaud e Suzanne Clément que têm momentos absolutamente singulares e comoventes.

terça-feira, novembro 13, 2012

Daqui ninguém sai




1. O filme abre, misteriosa e sedutormente, com uma série de fotografias dos estudos de Etienne-Jules Marey (1830-1904) do movimento do corpo humano – como se Holy Motors confiasse num espectador idealmente virgem que contempla a imagem em movimento como um milagre divino, ainda possível na idade do digital (com que o filme é, de resto, filmado). 

2. Será possível ainda acreditar no cinema? Isto é: como é que podemos aceitar aquilo que é mentiroso, que pretende ser imersivo e que nos toma como ingénuos? Holy Motors é um filme que nos faz distanciar do planeta Terra – ao mesmo tempo, sustenta-se num trabalho preciso sobre a emoção e a fragilidade da nossa identidade. 

3. Um filme são vários filmes, como um espectador também são vários espectadores. Carax parece dar-nos a oportunidade única de vermos a vida como uma “experiência”, uma experiência que é para além do mais transfiguradora, como se vivêssemos várias vezes e a morte fosse um local de passagem. Buda? Não – cinema. Porque essa possibilidade parece residir apenas num espaço secreto: o interior do filme. Na primeira cena, Carax acorda (nasce perante nós) e dirige-se para outra alucinação: uma sala de cinema, deslumbrantemente fotografada. 

4. Griffith e Godard; Méliès e Pixar; Etienne-Jules Marey e Avatar – não é que Holy Motors seja propriamente uma síntese da História do Cinema, mas a verdade é que me sinto completamente comovido perante a possibilidade de Carax ter podido restaurar (relembrar) o seu poder, dirigindo-o para o futuro. 

5. Por fim, e não terminando (nunca terminando), o filme pode ser um local de encontro (connosco e com o nosso passado), mas também de esquecimento – de “quem éramos nós / quando éramos / quem nós éramos / na altura” (como canta Kylie Minogue no momento de melodrama musical).

segunda-feira, novembro 12, 2012

Titanic anyways

No cinema, tal como na arquitetura, existe uma tendência contemporânea de sermos guiados por um minimalismo que ganha, por exemplo, expressão evidente na filmografia de Robert Bresson. Quase como em reação a esta filosofia, Xavier Dolan aterrou no mundo das imagens ditando, através do seu universo, algo de muito simples: que mais... é sempre mais.

E este é um lema que os seus filmes exibem em toda a sua extravagância. Até agora são “apenas” três as longas-metragens – número que se torna tanto mais impressionante quando pensamos na idade do realizador: “apenas” 23 anos. Ao mesmo tempo, Xavier Dolan, nascido no Quebeque (Canadá), é um daqueles casos de rapaz-prodígio proclamado e acarinhado por um festival de cinema – neste caso o de Cannes, onde começou por apresentar o seu primeiro filme que fez com 19 anos, J’ai tué ma mère (2009).

Ainda que este drama autobiográfico, que nos trilha os labirintos da sua relação disfuncional com a mãe, não tenha estreado entre nós, a receptividade tida por Os Amores Imaginários (2011) comprovava então o poder da Internet na nova geração de cinéfilos e que Dolan se tinha tornado num dos cineastas de culto em Portugal.

Por tudo isto Laurence Anyways, filme intimista com duração de épico (quase três horas), seja esperado com tanta ansiedade no Estoril & Lisbon Film Festival, onde se [estreou ontem] na secção competitiva (sala 1 do cinema Monumental às 21h45). Depois de ter sido projetado na edição deste ano do Festival de Cannes (o facto de ter sido programado na secção paralela Un Certain Regard e não na competição oficial gerou alguma discórdia mediática), Xavier Dolan foi recebido pelos franceses entusiasticamente: a revista de cinema Cahiers du Cinéma dedicou-lhe um especial destaque carregado de elogios e Cannes acarinhou o filme com dois prémios: a Queer Palm (atribuída a filmes de temática homossexual, bissexual ou transgénero) e o prémio para melhor atriz, Suzanne Clément, que surge aqui como autêntico furacão de emoções.

Quem nos deixa absolutamente rendidos é, também, o seu protagonista que empresta o seu nome ao título, interpretado por Melvil Poupaud (que estará presente hoje nas sessões). Ao calçar os saltos altos de Laurence, Poupaud dá-nos a transfiguração de alguém que se apercebe que durante a sua vida viveu uma mentira devastadora: que era homem para os outros ainda que se sentisse sempre mulher. O drama, contudo, não é previsível (o foco poderia estar previsivelmente nos traumas desta transformação): traz-nos, pelo contrário, a relação de um casal apaixonado que se sente obrigado a gerir a implacabilidade destas mudanças.

O que se torna, isso sim, previsível é como Dolan trata formalmente o seu primeiro “Titanic”. A ambição, desde logo assumida, de construir um melodrama barroco e hiperestilizado torna-o tão comovente como superficial, tão interessante como inconsequente. Apesar de notarmos que já está a emergir uma voz só sua, o seu cinema continua a querer chamar muitos outros cinemas: Gus Van Sant, Cassavetes ou, desta vez mais assumidamente, Douglas Sirk (há folhas de outono que preenchem um plano enormemente aberto, como acontece em Escrito no Vento, de 1956; há camisolas a cair do céu...).

A energia é assim visceral (histriónica, tal como todas as suas personagens) e o resultado esquizofrénico, ainda que longe de ser maçador. No entanto, não conseguimos deixar de sentir que acabamos de assistir a um teledisco com duração de “longa”, tal é a enorme seleção musical de um apurado sabor pop (convocam-se os Fever Ray, Depeche Mode, Duran Duran...) ou as referências visuais (cita-se, por exemplo, o teledisco de Fade to Grey, dos Visage). Mas o cinema de Dolan precisa de mais silêncios, um pouco de mais calma, de aprender a saber quando se deve calar.

Este texto foi publicado no Diário de Notícias (papel e e-paper) a 11 de novembro de 2012.

domingo, novembro 11, 2012

Uma janela que é uma parede

Chegou como o filme mais aguardado do ano - a ansiedade evidente para ver "o Mestre" (o filme e Paul Thomas Anderson) expressava-se na fila que, meia hora antes da sessão das 22h00 do cinema Monumental, se alongava pelas escadas abaixo. Por fim, o filme - uma cópia a 35mm, perto talvez da experiência dos 70mm sentida pelos espectadores na Sala Grande do Palazzo del Cinema por altura do Festival de Veneza (de onde saiu como o vencedor "justo" - não venceu o Leão de Ouro, mas o prémio de melhor ator e de realização). Chega-nos a Portugal e a sensação de privilégio sentiu-se em todo o seu exagero: afinal, estávamos a falar de uma antestreia (o filme só é lançado nos cinemas a 17 de janeiro) e estávamos, sobretudo, a falar de Paul Thomas Anderson, autor de Haverá Sangue (2007) ou Magnólia (1999), que refundaram as esperanças de um certo público europeu no grande cinema norte-americano.

No final, a desilusão. Houve uma certa necessidade (estranha) de condescendência quanto a um objeto tão ambicioso quanto a sua superficialidade. De facto, este filme, que nos situa nos EUA dos anos 50 (os EUA do pós-guerra mas também da renovação individual) e no interior de uma seita religiosa, a Causa, liderada pela personagem de Philip Seymour Hoffman, parece viver numa tensão paradoxal - por um lado quer viajar para um território completamente diferente e alienígena, mas, por outro, limita-se a querer explicar tudo e mais alguma coisa, a querer que tudo seja perceptível - até a "estranheza" (provocada pelo desalinhamento coreografado dos atores ou pela música hipnótica de Jonny Greenwood). Quase nada aqui é misterioso ou imprevisível - sentimos o grande jogo de xadrez de P. T. Anderson, o jogo em que ele, como Deus, "domestica" todas as suas personagens. Como a Causa.

A presença dos atores é, contudo, excecional - e quando falamos em atores falamos "no" ator, Joaquin Phoenix, força da natureza que se entrega em toda a sua fúria de viver. Mas Anderson tem mais de ganância do que essa "fúria", instrumentaliza Phoenix no sentido absoluto da história (cada gesto parece estar acompanhado por uma reiteração: numa estalada de Phoenix ao filho de Hoffman sentimos Anderson a dizer-nos "eis o início de todas as guerras, eis o conflito do homem motivado sempre pela religião").

Instrumentaliza também os restantes atores transparecendo a sua busca desenfreada pela imagem perfeita (esta ambição tem tudo de kubrickiano, o que é tão bom como perigoso). Dessa procura nascem imagens de uma beleza e intensidade perturbantes (que dizer da fotografia de Mihai Malaimare Jr.? que dizer daquela meia hora inicial? e daquela viagem no mar que se inicia com um plano de cortar a respiração, o do barco que se despede de nós com a enorme bandeira dos EUA como se nos introduzisse um sonho? simplesmente que tudo isto se inscreve nos melhores momentos do recente cinema contemporâneo). Mas não tão intensas como, por exemplo, o filme que faz o maior raccord (em ambição, temas e personagens) com The Master - chama-se Haverá Sangue e ainda hoje permanece potente na sua sensualidade e mistério.

Em The Master, todos as sequências que abrem o filme - até a metade da sua duração - parecem preparar-nos para uma catarse, libidinosa como a personalidade do protagonista. Mas o que nos chega parece um teatro de fantoches (como, repito, a Causa), preparado para esquecer as possibilidades do drama (aliás, o segmento que nos relembra da rapariga que Phoenix ama parece estar imbricada no épico).

Para o bem ou para mal este filme prova-nos que até os grandes realizadores podem cair. Da necessidade em nos mostrar como o homem se transfigura perante a possibilidade do absoluto, da imortalidade e do invisível chegou apenas a demonstração desse gesto e do poder da manipulação.