terça-feira, janeiro 31, 2012

Música para Filmes (1): As Horas, de Philip Glass

No dia em que Philip Glass completa 75 anos iniciamos um novo espaço dedicado à música para cinema com o trabalho que assinou para o filme As Horas, de Stephen Daldry.

O ponto de partida foi o livro de Michael Cunningham As Horas, galardoado com um Pulitzer em 1998. A figura de Virginia Woolf, autora de Mrs. Dalloway, a de uma mulher que nos anos 40 lê o seu livro e ainda uma outra, nos noventas, que não é senão uma projeção direta da personagem que dá título ao livro, cruzam-se nas páginas como no filme que Stephen Daldry estreou em 2002. Unindo as três épocas, figuras e narrativas que acompanhamos em paralelo, a música que Philip Glass compôs para As Horas é muito mais que um cenário de sons para quebrar silêncios.

Pensada como se de uma ópera se tratasse (em vez de cantores havendo atores, no lugar de um público sentado num teatro uma plateia frente a um ecrã) a música confere à visão de Daldry o carácter de melodrama e representa um dos feitos maiores na história das muitas colaborações para o cinema por Philip Glass. Com o piano (interpretado por Michael Riesman, antigo e firme colaborador de Glass) e um quarteto de cordas (o Lyric Quartet) frente a uma orquestra (dirigida por Nick Ingram), Glass procura aqui a expressão de um lirismo que decorre não apenas do trabalho entretanto desenvolvido na ópera como nas primeiras experiências no formato da sinfonia (que abriu novos horizontes à sua música orquestral) e para piano solo. Mais tarde foi editado um segundo disco com música criada para este filme, em transcrições para piano solo. Michael Cunninham, confesso admirador de Philip Glass, recorda num texto incluído no booklet a história de um relacionamento com a música do compositor que remonta aos dias na faculdade, quando comprou uma cópia de Einstein On The Beach e a tocou vezes sem conta (sob protestos do companheiro de quarto, ao que parece).

Cunningham tem uma escrita musical e As Horas reflete um pouco a noção de variações sobre um tema tão característica de algumas composições. A cada livro que escreve costuma idealizar uma banda sonora. Associa, por exemplo, Big Science, de Laurie Anderson ou Blue, de Joni Mitchell a Um Casa No Fim do Mundo. Sangue do Meu Sangue tem para si afinidades para com óperas de Verdi, álbuns dos Smiths e a versão de Jeff Buckley para Hallelujah de Leonard Cohen. N’As Horas encontrou uma relação com a música de Schubert, o álbum Music For Airports de Brian Eno ou OK Computer de Radiohead (por razões que o escritor confessa que não sabe explicar)... Ao longo de todas estas experiências, contudo, a sua mais constante (e fiel) relação com um músico liga-o a Philip Glass. A banda sonora que este assinou assim para o filme nascido do seu livro é assim como uma materialização de uma experiência subliminar que acompanhou a escrita e, agora, serve as imagens que lhe deram corpo.

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