terça-feira, abril 26, 2011

Código Base

A segunda incursão de Duncan Jones no universo da ficção científica não deixa de confirmar a surpresa que causou com Moon, solidificando, com este seu novo Source Code, o território que construiu numa Hollywood e EUA mergulhados em crise financeira, medo e esperança de um futuro com mais segurança.

Código Base leva, à memória do espectador, o imaginário de Eric Bress e de J. Mackye Gruber  (Butterfly Effect), tomando como matéria-prima o caos determinístico e as realidades paralelas. Ao contrário da dupla de realizadores argumentistas, exalta-se aqui uma distintiva contenção narrativa: a constante repetição de uma situação-base – uma viagem de comboio – serve de mote para seguirmos, com genuíno interesse (como assim obriga a lógica do blockbuster), a evolução da consciência do soldado, encarada por Jake Gyllenhaal. «Projectada» para o corpo de um dos passageiros, acompanhamo-la, grosso modo, na missão de descobrir, a partir de uma coordenada espácio-temporal fornecida após um atentado bombista, o autor do crime. Para além de explorar as consequências das divisas e acções humanas, Jones acaba por querer tratar a forma de estar para a vida, isto é, a forma de encará-la e de a experimentar.

Apesar de não aprofundar devidamente este tema (também ele reutilizado), a sua mensagem anti-terrorista (que se concilia com uma qualquer denúncia da acção militar norte-americana), e todas as problemáticas que invariavelmente acaba por colocar, muito à semelhança de outras obras do género, e apesar de errar em percorrer a vias do romance algo inverosímil (ou talvez, por parte do protagonista, desesperado), o filho de Bowie eleva, para a produção, o minimalismo de que já se referiu, em elenco e em décors, preparando-se, dessa maneira, para fazer avançar, com mais maturidade e ambição características, uma linha de trabalho que só a ele lhe pertence.

sábado, abril 23, 2011

Last Night


O filme debutante de Massy Tadjedin, que o realiza e escreve, é uma daquelas agradáveis surpresas que a afirmam no campo dos dramas românticos ocidentais e que valem a pena descobrir. Tendo a receita completa para poder falhar redondamente (pela própria reciclagem temática), Last Night debruça-se sobre a fidelidade matrimonial associada às experiências do passado e aos desejos do presente, questionando as fronteiras morais das acções dos cônjuges e, observando-as com olhar tranquilo e adequado às emoções das personagens, compreendendo a insurreição das mesmas. Mais que adoptar um ponto de vista crítico ou que aproveitar a via fácil de quem merece ser culpado ou inocente, a realizadora, de ascendência iraniana, prefere respirar por momentos. Filma os actores como se os dedicasse a eles – e Keira Knightley, mais que qualquer outro, é o filme. É perante uma interpretação sofrida, diante de uma mise-en-scène própria dos filmes contemporâneos mais delicados e atentos, que Tadjedin vislumbra uma possível liberdade no suspiro final da actriz. O futuro, o desenlace, o clímax, para ambas, parece não ser importante, porque, apesar de o título remeter para o que é passado, estamos perante um hino para aquilo que é presente, efémero e verdadeiro.

domingo, abril 17, 2011

Road to Nowhere - Sem Destino


A 67ª edição do Festival de Veneza, cujo júri foi presidido por Quentin Tarantino, agraciou, com o Leão de Ouro, Sofia Coppola pela sua obra desinteressante, dir-se-ia quase inútil, deixando na penumbra o veterano Monte Hellman, realizador que regressa ao mundo do cinema após ter construído carreira nos anos 60 e 70 nos Estados Unidos da América. «Road to Nowhere» não é filme que se assemelhe a «Somewhere»: se o segundo é falho nas suas intenções (ou, melhor dizendo, falho na tentativa de transcrever as das películas que a precedem), o primeiro mostra bem a determinação, passados vinte e um anos, de um cineasta em entrar no mundo dos filmes, apesar de saturado pela indústria hollywoodesca.

Sob as luzes do universo lynchiano, é construída aqui, como outros também o fizeram, uma resposta ao mistério ontológico da criação da imagem cinematográfica, debruçando-se sobre a realidade re-presentada (isto é, tornada presente) durante a rodagem de um filme. É, talvez, por isso que ele mesmo subleve o género, seja o thriller ou o romance noir, olhando, distante e sabiamente, para o panorama artístico norte-americano. O realizador-protagonista não é, por isso, senão o espelho de Hellman, que se olha para si mesmo como um criador de várias realidades, ainda que indissociáveis. É curioso perceber como o argumento, brilhante e mordazmente escrito, não se revolve em nenhum problema especificamente apontado, engolindo o espectador numa «vida imaginada», à falta de melhor expressão, e que ganha maior evidência nos últimos momentos do filme, nos quais nos perdemos num jogo infinito de espelhos e de câmaras de filmar. Fala-se de Scarlett Johansson e do desejo de a ter com a mesma facilidade com que se filma as entrevistas da Variety, como se se quisesse apresentar uma certa imbecilidade do sistema, compreendido por quem está por dentro e por quem o quer denunciar.

Para além das ideias enunciadas que, apesar de não propriamente inéditas, estão servidas de um tratamento singular, convém ressaltar o trabalho técnico que completa o produto final. Filmado totalmente em formato digital, com Canon 5D, «Road to Nowhere» é daqueles raros exemplos em que a fotografia resultante serve o «realismo» do filme, adequando-se, para além da montagem de som, à interpretação da bela Shannyn Sossamon, ambos inesquecíveis.

Também a busca pela matéria para uma obra perfeita, «obra-prima» como insiste o protagonista em denominar «As Três Noites de Eva», «O Sétimo Selo» ou «O Espírito da Colmeia», se apresenta no espírito obcecado de Hellman / Haven, chegando ao final aceitando a dureza e contrariedades da vida – ou, melhor considerando, da morte –, que, sem dúvida, são mais fortes que as reproduzidas e controladas pelo próprio cinema.

Iniciativa «Os 10 filmes da minha vida»


Apesar de incorrer a esquecimentos vários, bastante próprios na feitura deste tipo de listas, decidi participar na iniciativa do blogger Samuel Andrade e publicar, no seu Keyzer Soze’s Place, «os 10 filmes da minha vida». Não eram os mesmos há um ano atrás e, posso quase adivinhar, não os serão, na totalidade, no próximo. Escolher dez é tarefa hercúlea, impossível, mas ei-los. Farão sempre parte da minha vida; sem eles, não, ela não seria a mesma.

quinta-feira, abril 14, 2011

Cannes 2011 [ii]

O Festival de Cannes deste ano, que decorrerá entre 11 a 22 de Maio deste ano, já divulgou, durante a conferência de imprensa realizada por Gilles Jacob e Thierry Frémaux no Grand Hôtel, em Paris, a sua Selecção Oficial e os Júris. Robert DeNiro presidirá o conjunto dos mesmos, contando com Emir Kusturica na secção Un Certain Regard. O filme que abrirá o festival será Midnight in Paris, de Woody Allen, e contará, entre muitos outros grandes competidores, com realizadores como Bruno Dumont (Hors Satan), Pedro Almodóvar (La Piel Que Habito), Jean-Pierre e Luc Dardenne (Le Gamin au Vélo), Terrence Malick (The Tree of Life), Nanni Moretti (Habemus Papam), e Lars Von Trier (Melancholia). Na secção Un Certain Regard, Gus Van Sant abrirá Cannes com o seu mais recente Restless, competindo com cineastas com Kim Ku-Duk (Arirang). Jodie Foster (The Beaver) marcará presença no festival fora de competição. Interessante também será relembrar que, no dia 19 de Maio, Cannes projectará uma restauração da responsabilidade da Warner Bros. do mítico A Clockwork Orange. O dossier de imprensa pode ser consultado aqui.

Podemos, por isso, contar com grandes nomes e uma edição bastante promissora para este ano. Cá se esperam tos filmes ansiosamente.

sábado, abril 09, 2011

O tio Boonmee que se lembra das suas vidas anteriores

Quando, no ano passado, Tim Burton atribuiu a Apichatpong Weerasethakul a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes, considerou O tio Boonmee que se lembra das suas vidas anteriores um «sonho belo e estranho», localizado nas fronteiras da fantasia que ele próprio produz. Poder-se-á porventura receber esta criação, chamaremos onírica (ainda que tal não confirme no final) do cineasta tailandês, com os horizontes devidamente abertos como um filme que se quer, pela originalidade, fundamental.

A história, ou a antítese da mesma (parece não importar), é resumida no título, como que simplificando todo um processo de descoberta infantil, no sentido em que as fábulas do género fazem o mesmo e servem de ponto de partida para o que será contado. O filme é composto por diferentes fragmentos, viajando livremente nas vidas passadas do protagonista que se prepara para abraçar a morte, filmados, também todos eles, de maneira distinta, quebrando uma desejada continuidade, quer no argumento como na forma. E é precisamente aqui que reside o meu principal problema com este surrealismo, onde vale tudo e mais alguma coisa, e atentado à unicidade estética e narrativa: Apichatpong filma objectos diferentes, somando-os sem gerar um todo. Ainda que passe por tolerável o seu imaginário tão mitológico e religioso como realista e cru, composto por fantasmas e estranhas aparições e criaturas, caminhando pela floresta adequando a câmara à disposição da sequência, torna-se quase insuportável acompanhar a imposição dos enquadramentos após abandonarmos o nosso tio-protagonista.

O realizador abandona, assim e com este estranho filme (golpe político, puro panteísmo visual ou devaneio budista), provido de um fim irritantemente desarmonizado, uma identificação, justificada pelo mito da reencarnação / renovação. É cinema duro, para certas sensibilidades, sim, mas que não convence.

O fim do mundo em 2011


Lars Von Trier está prestes a lançar Melancholia, o seu Solaris e a sua mais recente longa-metragem que, para além da conhecida Charlotte Gainsbourg (Antichrist), contará com o protagonismo de Kirsten Dunst, que, parece, terá a oportunidade para mostrar o seu talento à semelhança de como Nicole Kidman o fez com Dogville. O trailer lançado ontem parece aproximar-se do registo fotográfico do filme precedente do realizador, mantendo algumas características da sua forma de filmar (vejam-se, a título de exemplo, os zoom in como forma de intensificar a acção) e manipulação dos diálogos.

No entanto, Von Trier parece não ser o único cineasta a enveredar por uma aproximação do Apocalipse e da compreensão do fim do mundo e do homem, como se pairasse uma espécie de medo crescente por algo que há-de vir. Terrence Malick, com A Árvore da Vida, e Béla Tarr, com O Cavalo de Turim, anunciaram o "fim" filmado e imaginado pelo olhar de ambos. Poderemos ver estes três filmes, e as respectivas semelhanças, ainda este ano. Pisca-se o olho às referências do grande mito de Dezembro de 2012, enquanto se assiste a estreias profícuas financeiramente para o público mais mainstream.

quarta-feira, abril 06, 2011