sábado, setembro 03, 2011

Uma história do cinema queer (2/6):
Já se falava... mas deixou de se ver

O cinema, na sua juventude, avançou além das fronteiras da “moralidade” (normativa) do seu tempo e chegou a abordar a homossexualidade com espaço para algum protagonismo (umas vezes de forma evidente, outras mais implícitas). Contudo, uma certa vaga conservadora, que nos Estados Unidos ganhou forma através da apresentação (e aplicação) do chamado Código Hayes nos anos 30, afastou várias temáticas e realidades do grande ecrã. Contemporânea do nascimento do cinema sonoro, esta nova ordem tentou silenciar quaisquer representações de homossexualidade no cinema. Porém, e como tantas vezes acontece quando a ordem para calar é impositiva e contrária à maneira de viver e sentir de muitos outros, houve quem procurasse caminhos alternativos. Onde? Nas entrelinhas...

Uma das muitas histórias quase invisíveis de representação de homossexualidade no grande ecrã entre os anos 30 e 70 chegou, em 1933, através do filme 'Rainha Cristina' [foto], de Rouben Mamoulian. O filme é ainda anterior à imposição do Código Hayes, mas não deixa de abafar o subtexto LGBT que cruza a narrativa. Não só ao não explorar o que parece ter sido o verdadeiro amor da monarca (de quem se fala) por uma condessa mas também ao transformar o episódio de aparente engano gerado pela forma como a rainha se veste, fazendo-se passar por homem e despertando a atenção de um espanhol, num instante de uma história de amor, afinal, heterossexual... Contudo, a androginia vestida pela aparência da personagem criada por Greta Garbo (a rainha), assim como o sentido de melancolia que a sua figura carrega geraram pontes de identificação para muitos homossexuais que então se sentaram em plateias para ver o filme.

Puramente ao nível do subtexto passam as sugestões de amor entre homens que William Wyler filma no remake de 1959 do clássico 'Ben Hur'. Procurando um motivo mais profundo para o desentendimento entre o protagonista (interpretado por Charlton Heston) e o velho amigo Messala (Stephen Boyd), Gore Vidal, que assina o argumento, pensou no episódio do reencontro entre ambos como sendo a reunião de antigos amantes. Um deles desejoso de retomar a relação (o romano), o outro (Ben Hur) seguindo um caminho diferente. Como recorda Vito Russo em 'Celluloid Closet', realizador e argumentista falaram a Stephen Boyd do subtexto que cruzava a cena... O actor gostou da ideia... Mas ficou combinado que ninguém revelaria esta subtileza implícita do argumento a Heston...

Outro caso célebre de “invisibilidade”, mas de subtexto passível de apontar para a eventual representação de personagens gay é o que podemos encontrar em 'A Corda' [foto], filme de 1948 de Alfred Hitchcock. Baseado na peça 'Rope' (de Patrick Hamilton), por sua vez inspirada no caso real que envolvia a dupla de assassinos Leopold e Loeb, de quem se especulou serem homossexuais, o filme poderia sugerir que Brandon e Phillip, personagens respectivamente interpretadas por John Dall e Farley Granger, o fossem também. Nada é explícito, as leituras podendo ser feitas nas entrelinhas e, ao que parece, referidas discretamente durante a rodagem. Porém, ao passo que Dall e Granger estavam a par do que havia de “invisível” nas suas personagens, Jimmy Stewart, que desempenhava outro papel de relevo no filme, passava a Leste da ideia... Hitchcock, porém, nunca terá comentado estes eventuais subentendidos em 'A Corda'.

Não passa também de um possível subentendido a identificação de Plato, a personagem vestida por Sal Mineo em 'Rebelde Sem Causa' [primeira foto], de Nicholas Ray (1959), como sendo um jovem homossexual. Atormentado, frágil, talvez procure na personagem de James Dean o pai que não teve. Mas a forma como este responde, repartindo atenções entre Plato e a jovem interpretada por Natalie Wood, sugere o que Vito Russo vê como uma “família”. Todavia, e como era o destino de muitas personagens homossexuais no cinema de então (até mesmo as “invisíveis”), Plato acaba alvejado.

Ainda ausente do ecrã, mas com presença marcante no argumento (e no próprio clímax da narrativa), a homossexualidade da personagem invisível de quem se fala em 'Bruscamente no Verão Passado' [foto] acrescenta aos retratos da época um condimento adicional: a diabolização de quem deseja alguém do mesmo sexo. Realizado em 1959 por Joseph L. Mankiewicz, partindo da peça homónima de Tennesee Williams, o filme apresenta-nos uma mulher (interpretada por Elisabeth Taylor) que vive atormentada depois de usada pelo primo, Sebastian, para atraír parceiros para si. Na verdade a narrativa passa algo ao largo das questões que poderia de facto lançar, ilustrando apenas o fim terrível que se abate sobre Sebastian, naquela que será uma das primeiras representações de gay bashing no grande ecrã.

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