quarta-feira, maio 18, 2011

Adolescência em apocalipse




Figura proeminente no cinema independente norte-americano, o realizador Gregg Araki regressa ao grande ecrã lançando «Kaboom», que mistura os géneros de comédia, ficção científica, mistério e terror, revelando-o como uma paródia aos filmes mainstream tipicamente produzidos para adolescentes.

A edição passada do Festival de Cannes galardoou Araki com a primeira «Palma Queer» alguma vez entregue na história da mais célebre festa do cinema. Efectivamente, «Kaboom» enquadra-se na tradição do realizador em se debruçar sobre os problemas da jovem comunidade gay, lésbica e bissexual, sendo, ao lado de Gus Van Sant e Todd Haynes, um dos fundadores do chamado Novo Cinema Queer, expressão utilizada em 1992 para definir o tipo de cinematografia que celebrasse a sexualidade não-normativa de forma irreverente, politicamente activa e sem a pretensão de glorificar os homossexuais. No entanto, ao contrário de Gus Van Sant (que levou «Milk» [crítica aqui] a ser nomeado para 8 Óscares da Academia em 2009), Gregg Araki permanece no nicho dos filmes underground, regressando à pulsão pela imaturidade apresentada na chamada «trilogia do apocalipse adolescente», constituída por «Totally F***ed Up» (1993), «The Doom Generation» (1995) e por «Nowhere» (1997). «Pele Misteriosa» (2004) [crítica aqui], que conta com o extraordinário protagonismo do actor Joseph Gordon-Levitt (que representa em «(500) Dias com Summer» (2009) e «A Origem» (2010) [crítica aqui]), será, talvez, o seu melhor filme, tratando os temas da pedofilia, dos abusos sexuais, da prostituição e da solidão.

«Kaboom», por sua vez, parece não querer levar-se a sério. Dotado de uma estética híbrida, que mantém, à semelhança dos restantes filmes, muito dos enquadramentos subjectivos centrados nas personagens, Gregg Araki conta-nos a história de Smith (Thomas Dekker), um estudante de cinema e que se prepara para comemorar o 19º aniversário ao lado da melhor amiga Stella (Haley Bennet) e de London (Juno Temple), investigando as estranhas aparições de homens mascarados de animais que o perseguem. Os eventos vão-se multiplicando, juntando ao rol de sexo e estranheza, a obsessão de uma bruxa lésbica ninfomaníaca, o desaparecimento de uma misteriosa ruiva e o uso de drogas, gerando uma aventura psicadélica e burlesca que antevê a proximidade do fim do mundo. O arco decadente deste delírio cinematográfico, que satiriza as especulações escatológicas sobre o dia 21 Dezembro de 2012, encerra-se no estilo dos filmes de Ed Wood que, convém relembrar, é encarado por alguns (e algo injustamente) como o pior realizador de sempre.

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Este texto foi publicado originalmente no dia 14 de Maio de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.
«Kaboom» (traduzido como «Alucinação») estreia amanhã, dia 19, nas salas de cinema portuguesas.

2 comentários:

  1. Excelente texto, Flávio! (E já agora parabéns pela parceria com o DN/JN.)

    Vi o filme no IndieLisboa com amigos e é realmente o que dizes, um autêntico delírio. Completamente trippy e sem se levar nada a sério, muito divertido. Fez-me reavaliar a minha opinião sobre Araki, de quem, confesso, nunca fui grande apreciador.

    Cumps.

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  2. Muito obrigado Pedro.

    O Araki tem coisas boas, para além deste vi só posso falar do Mysterious Skin (que recomendo).

    Um abraço.

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