segunda-feira, julho 19, 2010

As Vinhas da Ira

Existe, n’As Vinhas da Ira que John Ford tão impecavelmente filmou, uma dimensão que ultrapassa a aventura e retrato social desenhados por Steinbeck, uma força tão sensível que ultrapassa até o próprio alerta do horror vivido nos tempos da Grande Depressão. E é, sem dúvida, esse humanismo que faz com que este seja uma incontestável grande obra, uma das melhores que o cinema teve até os dias de hoje. 

Ford filma as personagens com amor, apaixonado pelo seu desespero e sentido de união, filma o valor da família e eleva-o a uma categoria milenar, intemporal e primária, como se, antes de tudo e de todos, e face a qualquer circunstância possível, devesse apenas existir a família e nada mais. E com o mesmo sentido de comiseração, o realizador não descura o extremo oposto, a decadência da tradição e o triunfo da megalomania do ser humano e do individualismo egocêntrico. Assim, se fazemos, com facilidade, um relacionamento entre a (docu-)ficção montada e as ideias marxistas e anti-capitalistas, também é com segurança que se repara que Ford tenta, com a mesma energia, ultrapassar toda essa conotação política. Porque, com brilhante lucidez, este sabe que nenhum ser humano é apenas bom ou apenas mau, e porque sabe que o sentido de pertença a um determinado lugar (presencie este o que presenciar, como nascimentos ou mortes) é, apenas, outro indicador do natural egoísmo humano. 

Então filma a (perda da) fé em Deus, filma a força do grupo, insuperável até nos momentos mais tenebrosos (que lembram, de certa forma, as atrocidades que se passavam na Europa da Segunda Guerra Mundial, altura onde o filme foi lançado), filma a maldade dos tiranos, filma o protagonista, representativo do estado de solidão e perdição vividos, e filma-os entre uma Natureza complacente e atenta, em magníficos planos abertos e num belíssimo preto e branco. E tudo capta com imparcial afeição e compaixão, porque, e pedindo emprestadas as palavras da personagem da mãe de Tom (interpretada, brilhante e inesquecivelmente, por Jane Darwell), all that lives is holy.

3 comentários:

  1. Gosto muito deste filme, apesar de preferir outros de John Ford e de achar que há mais que "aventura e retrato social" no livro do Steinbeck - o final é uma coisa verdadeiramente espantosa...
    O Ford não fazia só westerns e este filme é uma das brilhantes provas (Last Hurrah, How Green Was My Valley...).

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  2. Começaste muito bem e agora é só descobrir os outros todos. A mim ainda me faltam alguns de John Ford.
    O filme é uma obra-prima, bem como o livro que lhe deu origem.
    Como muito bem disse o João, aqui está a prova que John Ford não fazia só westerns, já que muitas das suas obras-primas não se inserem nesta categoria.

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