segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Nem Guerra, Nem Paz

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"You know, some men are heterosexual and some men are bisexual and some men don't think about sex at all, you know... they become lawyers." Começar o texto com uma citação não é original, nem propriamente trabalhoso. Porém, é a forma mais directa de elogiar aquilo que de melhor este "Love And Death - Nem Guerra, Nem Paz" tem para oferecer: o argumento.

Boris, a personagem vivida por Woody Allen, é, como não podia deixar de ser, um neurótico socialmente desajustado a viver na Rússia, no início do séc. XIX, aquando das campanhas napoleónicas. Tem uma prima, Sonja, por quem está apaixonado desde que era criança; Sonja, por sua vez, está apaixonada pelo rústico Iván, irmão de Boris, embora diga que só seria capaz de se entregar a um homem que encarnasse as três facetas do amor: intelectual, sensual e espiritual. A guerra acaba por chamar Boris ao campo de batalha e depois... bem, é melhor não estragar.

Desta vez, acho que vale a pena elogiar quem traduziu o título para português por, ao invés de optar por uma tradução literal (que não ficaria má), fazer uma alusão ao "Guerra e Paz", de Lev Tolstoi. Aliás, as menções à literatura russa estão presentes no próprio filme, umas mais evidentes do que outras - a cena que melhor exemplifica isto é o diálogo entre Boris e o seu pai, lá para o fim, quando ele lhe pergunta se se lembra do vizinho Raskolnikov, que matou duas mulheres, numa clara referência à história do excelente "Crime e Castigo", de Fiódor Doistóiesvski, o qual, de resto, Woody já homenageou em "Match Point".

Posto isto, não será desadequado falar do elenco. Allen interpreta a sua habitual figura, o que, por si só, garante um resultado hilariante; Diane Keaton, por sua vez, divide com ele igual protagonismo, e confere classe e inteligência à prima Sonja, sem deixar de divertir. As melhores cenas são aquelas em que estas duas personagens interagem, e as "deep conversations" que Boris menciona no início são um primor. Já a banda sonora enquadra-se perfeitamente, recriando uma Rússia alegre, sempre em festa. Quanto à realização, destaca-se a cena em que Sonja e a mulher de Iván conversam, e os rostos delas ficam justapostos (ela própria, ao que parece, uma homenagem).

Sem dúvida que se trata de um filme "leve", em que Woody focou a sua vertente mais cómica, mas isso não justifica o esquecimento a que tem sido vetado. Não me lembro de me ter rido assim noutro filme qualquer, e, parecendo que não, há aqui uma mensagem sobre a vida que, embora passada de uma forma mais despretensiosa, não deixa de ser interessante de ouvir. Em suma, "Love And Death" é um filme que cai muito bem numa tarde aborrecida, com um argumento extremamente bem escrito (cada fala parece ter sido escrita para provocar o riso) e que merece ser visto (quanto muito, para perceber que Diane Keaton já foi, em tempos, capaz de participar em fitas de qualidade muito superior àquelas que tem vindo a fazer ultimamente). É um filme cujos méritos ainda não vi devidamente reconhecidos e de que decidi falar aqui um pouco, na tentativa de incentivar outros a descobri-lo. Caso não tenha conseguido com estas linhas, deixo aqui um derradeiro argumento, directamente retirado do IMDb: "Allen claims that of all the movies he's done, this is his favorite and most personal".

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