quinta-feira, janeiro 01, 2009

Crepúsculo

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Não é um hábito meu escrever sobre filmes de que não gostei minimamente ("The Covenant/O Pacto", por exemplo) ou que, apesar de bons, me deixaram indiferente ("The English Patient/O Paciente Inglês"), principalmente porque acredito ser mais produtivo reflectir devidamente sobre os bons, e esquecer os maus. Abro, assim, uma excepção para "Crepúsculo", apenas porque acordei hoje oficialmente um ano mais velho, me sinto algo aborrecido e com vontade de escrever sobre qualquer coisa que seja.

Li partes do livro juntamente com alguns amigos (com quem acabei por ver o filme), a título de experiência. É fácil perceber os motivos do sucesso obtido pela quadrilogia de Stephenie Meyer entre os adolescentes, nomeadamente junto do sexo feminino (digo-o, não por preconceito, mas por conhecimento de causa): a escrita simples, as situações comuns ao seu quotidiano e o romance proibido entre os protagonistas (ela, humana; ele, vampiro). Imaginem uma série adolescente, mas em formato literário: é assim "Twilight", e, por isso mesmo, a sua adaptação a argumento cinematográfico não deve ter criado grandes problemas. O seu sucesso foi imediato, facturando cerca de 70 milhões (se não me engano) de dólares na bilheteira americana no primeiro fim-de-semana.

Há aqui um conceito interessante, embora já visto: o romance entre Bella (Kirsten Stewart) e Edward (Robert Pattinson). É uma relação teoricamente impossível, dado que no interior dele sempre existiria o conflito entre o amor pudico pela pessoa, e o desejo animalesco pela carne. Quanto a ela, embora se mostre apreensiva de início, cedo revela que não o teme, e se entrega à relação que entretanto se desenvolve entre ambos. Esses elementos, que no fundo são o atractivo do filme, são descartados a dada altura, em prol de uma má linha argumento em que Bella é obrigada a fugir de casa para se manter em segurança. O filme começa muito bem, admito-o, com a voz de fundo de Bella (narradora do livro e do filme) a dizer algo capaz de desde logo suscitar a nossa curiosidade. E achei interessante que a história não tenha seguido o caminho óbvio em relação ao que é dito inicialmente, e que o acontecimento a que ela se refere seja diferente do que somos instintivamente levados a pensar.

Porém, no que ao argumento diz respeito, não há muitos mais elogios a fazer. Acompanhamos a mudança de Bella para uma pequena cidade e a sua adaptação a um ambiente estranho, a viver com o pai, com quem não tem uma relação de proximidade, mas que lhe oferece um veículo (uma carcaça com motor seria uma descrição mais fidedigna) assim que ela chega. Contrariamente ao que seria de esperar, Bella é facilmente aceite entre os alunos da nova escola, integrando-se num grupo que inclui um redactor do jornal escolar desde logo disposto a escrever um artigo sobre ela, uma colega com tara por fotografia, e um rapaz com o célebre apelido de Newton, que, embora brincalhão e simpático, não é para Bella uma companhia tão interessante para o "prom" como o misterioso Edward, inacessível por pertencer a um grupo restrito lá da escola e cujos membros parecem ter em comuns duas características: vivem na mesma casa e usam maquilhagem todo o dia.

As relações que as personagens estabelecem entre si não vão além do funcional, nem as suas composições, e as tentativas do filme em retratar a vida dos adolescentes passam por criar entre eles amores não correspondidos (até ao momento em que é conveniente ao argumento que passem a sê-lo) e amizades que, não sendo desenvolvidas, parecem não ter muita substância.

O filme depende assim da relação amorosa entre Bella e Edward, artificial desde o primeiro momento, para que a história avance. A atracção ocorre ao primeiro olhar trocado entre eles, e é mútua; Edward, vampiro que, embora pertença a um clã que só bebe sangue de animal (não racional, para que a ironia funcione em condições), sente-se incomodado com a presença dela ao ponto de faltar vários dias à escola. E Bella reage como seria de esperar de uma pessoa lúcida à ausência de um desconhecido, ficando estranhamente afectada, e aguardando impacientemente o seu regresso para lhe perguntar "qual é o problema dele". Como se a situação não fosse absurda o suficiente, o argumento recorre ora a artifícios implausíveis (como a disparatada cena em que Bella é salva de um atropelamento por Edward), ora a lugares-comuns (a cena em que Edward vem em seu auxílio, quando ela é perseguida por um grupo de marginais). A situação só fica pior quando o responsável pelo argumento parece não ter consciência do que escreve, incluindo uma cena em que Edward diz à jovem rapariga que, se ela fosse inteligente, afastar-se-ia dele, quando, até aí, tinha sido sempre ele a procurá-la, e quando a presença de uma segunda tribo vampírica, responsável por vários assassinatos que flagelaram a pequena comunidade ultimamente, passa a ser explícita (numa cena hilariante com direito a desfiles "cool" entre o nevoeiro por parte dos vilões, que têm direito a uma caracterização igualmente patética).

Nem tudo é mau em "Twilight": a banda sonora, apesar de não me agradar particularmente, encaixa no tom do filme e tem bons momentos quando decide incluir Debussy e Iron and Wine, e a fotografia, com tons azulados e cinzentos, confere um visual interessante ao filme. O pior é mesmo o argumento, por tudo o que já foi dito, os efeitos especiais (acho que até em "Blade", lançado há 10 anos, eram mais credíveis) e os dois protagonistas - Kirsten Stewart (que, embora agradável à vista e com potencial, exagera frequentemente na caracterização da personagem, revelando ter ainda que evoluir como actriz) e Robert Pattinson (que somente em raras ocasiões despe a postura de galã e age com naturalidade) - que, embora tenham química, são unidos por uma relação demasiado forçada.

A verdade é que quis gostar de "Twilight" - é provável que lhe sucedam três sequelas, e talvez até as visse todas no cinema. Contudo, contrariamente à saga "Harry Potter" - ao qual é muitas vezes comparado -, este é um filme comum, sem a mitologia e a aura misteriosa que envolve Hogwarts, as personagens complexas, ou o fantástico universo criado por J. K. Rowling. O livro de Meyer resulta num filme que encara o seu público como pessoas sem massa cinzenta, e que é, em essência, uma história de amor com muito pouco que se lhe diga, e cujas tentativas de acrescentar novas camadas à narrativa não conseguem ser levadas a sério, acabando tudo por parecer um pouco como o Carnaval: evidentemente falso e exagerado. Nem o final em aberto consegue ser minimamente interessante (deve ser, aliás, dos piores cliff-hangers de que há memória) para me fazer querer ver o que se passará a seguir. "Crepúsculo" tenta tudo: comover, surpreender, assustar. E não consegue ser bem-sucedido em nada.

1 comentário:

  1. O melhor:
    Os desempenhos da doce Kristen Stewart e do charmoso Robert Pattinson.
    O romance de Bella e Edward e a possibilidade do amor eterno emanam desejo e fascínio.

    A história, da autoria de Stephenie Meyer, humaniza o mito do vampiro e dá-lhe um novo fôlego.

    A fotografia, determinante para a criação do ambiente.

    O pior:
    A montagem.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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